SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Disparos de tiros, relatos de explosões e a saída do ar do canal de TV oficial de Burkina Fasso na madrugada e na manhã desta sexta (30) reacenderam na população do país da África Ocidental o temor de que um novo golpe de Estado esteja sendo gestado nas Forças Armadas.
Há oito meses, a nação do Sahel, região marcada por violência envolvendo movimentos jihadistas, assistiu à deposição do presidente eleito Roch Kabor por um golpe militar. Em seu lugar, assumiu o tenente-coronel Paul-Henri Sandaogo Damiba, figura até então pouco conhecida, mas com experiência no combate ao terrorismo.
O paradeiro de Damiba é desconhecido, mas o coronel divulgou um comunicado pedindo calma e afirmando que "certos membros das Forças Armadas criaram uma situação confusa". Ele tomou o poder do país com a promessa de acelerar o combate ao terrorismo islâmico, o que ajudou a amortizar parte da insatisfação popular.
Alguns dos tiroteios registrados ao longo do dia foram ouvidos na vizinhança da sede da Presidência, na capital Uagadugu, o que aumentou o temor entre os locais. Escolas, empresas e bancos foram fechados, e as ruas da cidade viviam um trânsito incomumente tranquilo para uma sexta-feira.
Houve, porém, aqueles que aproveitaram o episódio para protestar contra os líderes no poder. Em um protesto nas ruas da capital, segundo relatos da agência Reuters, ativistas pediam o fim da ajuda militar enviada pela França, antiga colonizadora. "Desde que Damiba assumiu o poder, nossos soldados morrem com maior frequência", disse Marcelin Quedraogo, um dos presentes, à agência.
A demanda tem crescido nos últimos tempos. Frente ao acúmulo de fracassos da atuação francesa no Sahel, manifestantes pedem que o governo priorize, em troca, a ajuda da Rússia, que alarga sua influência militar em África, muitas vezes com uso de empresas militares privadas, ora descritas como mercenarismo, que também atuam na Guerra da Ucrânia -como o Grupo Wagner.
A insatisfação com a liderança de Damiba também ganhou nova camada no início deste mês, quando ao menos 35 civis morreram no norte do país depois que um comboio de veículos atingiu uma bomba escondida na estrada. Depois, nesta terça (27), 11 soldados morreram em uma emboscada na província de Soum.
Apenas nos primeiros seis meses deste ano, segundo monitoramento da ONG americana Localização dos Conflitos Armados, grupos ligados à Al Qaeda e ao Estado Islâmico (EI) realizaram mais de 400 ataques em dez regiões de Burkina Fasso. Consequência direta da violência, quase 2 milhões de pessoas -10% da população- foram deslocadas pelo conflito, de acordo com o Conselho Norueguês para Refugiados.
Ainda que tenha assumido o poder por meio de um golpe, Damiba discursou, na última semana, na Assembleia-Geral da ONU, em Nova York. A líderes mundiais o burquinense falou sobre a violência jihadista, mas também buscou justificar o golpe. "Era necessário e indispensável; acima de tudo, uma questão de sobrevivência."
O golpe de janeiro foi condenado pela União Africana (UA) e pela Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental. Também recebeu críticas do secretário-geral da ONU, o português António Guterres. Mas outros fóruns, como o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, adotaram postura branda -em parte devido à atuação da Rússia, que busca crescer a presença no país africano.
Por meio de seu porta-voz, Guterres disse na ocasião que a tomada de poder era parte de uma "epidemia de golpes em todo o mundo, em especial naquela região", referindo-se ao Sahel. De fato, o número de golpes de Estado em 2021 foi o maior no mundo em duas décadas.
Burkina Fasso, após a ascensão de Damiba ao poder, somou-se a Chade, Mali e Sudão como países da região que viram governantes serem depostos por militares.
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