WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) - Os questionamentos ao trabalho de institutos de pesquisa, disparados no Brasil após o primeiro turno das eleições, com direito a ataques e manobras da base governista, são fenômeno já bem conhecido nos EUA.
O motivo é o mesmo: um descompasso entre o que indicam os levantamentos -que, de resto, não têm objetivo de acertar o resultado- e os números que saem das urnas.
Em 2016, os dados indicavam uma vitória inevitável da democrata Hillary Clinton, que acabou perdendo para o republicano Donald Trump. Em 2020, diziam que Joe Biden ganharia, mas com vantagem maior do que a que de fato teve -os institutos exageraram em 3,9 pontos percentuais a margem no voto popular nacional para o democrata e em 4,3 pontos nas pesquisas estaduais, para o Colégio Eleitoral.
O assunto voltou ao debate público com a chegada, em menos de um mês, das eleições de meio de mandato -as midterms. Para defender a reputação e aprimorar seus resultados, institutos de pesquisa vêm tentando ajustar suas estimativas, de forma a evitar que imprensa e população voltem a atacá-los.
As organizações querem, por exemplo, evitar um enfoque desproporcional nas populações com nível escolar alto -considerado um dos possíveis deslizes em 2016. Tentam também ouvir mais republicanos alinhados a Trump. Essa parcela do eleitorado, tradicionalmente mais avessa a falar com pesquisadores, pode ter sido subestimada em 2020.
Se é suficiente, isso só vai ficar claro após o pleito. Analistas avaliam que o caminho é limitado, mesmo porque não está totalmente claro o que exatamente deu errado nas últimas eleições nem a melhor forma de balancear as discrepâncias.
Nas midterms de 8 de novembro, americanos votam para renovar todos os 435 assentos da Câmara e 35 das 100 cadeiras do Senado. Há também disputa para governador e outros cargos estaduais.
Desde a Segunda Guerra Mundial, o partido que controla a Casa Branca quase sempre perde terreno nesse pleito. Os democratas de Biden têm hoje 220 assentos na Câmara, uma mínima vantagem de oito assentos, e 50 no Senado, mais o voto de minerva concedido à vice-presidente Kamala Harris.
Diante da popularidade frágil do presidente, a expectativa era de que os republicanos reconquistassem ambas as Casas, mas alguns institutos têm indicado outro cenário. O site FiveThirtyEight, principal agregador de pesquisas, diz que os democratas têm 67% de chance de manter o controle do Senado.
O imbróglio fica mais claro quando se olha para disputas de maneira individual. Levantamentos indicam um pleito apertado para o Senado em Ohio, por exemplo, mas o estado é considerado hoje um bastião dos republicanos. Algo mudou ali -ou as pesquisas não estão totalmente ajustadas.
Mark Weaver, advogado especializado em lei eleitoral baseado em Ohio, acredita que os institutos podem estar subestimando o eleitorado republicano. Como no passado, diz, as pesquisas ouvem demasiadas pessoas com diploma universitário, mas a proporção da população com esse nível de estudo é de 29% no estado.
Isso importa porque pesquisadores acreditam que quem tem alto grau de escolaridade tende a votar em democratas. "Se queremos saber o que o povo pensa da política, temos que garantir que os dados reflitam aquilo que já sabemos sobre a população", afirma.
Outro problema, segundo Weaver, é que eleitores republicanos -em especial aqueles que votaram em Trump e aliados- têm sido cada vez mais resistentes à participação nesses levantamentos. "Eles aprenderam a fechar a boca quando alguém começa a discutir política", afirma, lembrando que parte da imprensa e do próprio governo os descreve como irracionais. "As pessoas mentem ou evitam falar com pesquisadores. Essa é uma questão sistêmica, que não dá para resolver mudando o método."
Fenômeno semelhante é aventado no Brasil com apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) -não por acaso, aliado de Trump.
Para sanar questões dessa seara, diversos institutos anunciaram revisões nos seus métodos. O Pew Research Center, por exemplo, disse em 2021 que estava modificando a composição dos grupos pesquisados. Setores específicos, como os democratas com alta escolaridade, foram reduzidos. Ao mesmo tempo, o instituto buscou maneiras de ouvir grupos menos representados, como pessoas de baixa renda.
Analistas sugerem ainda outras estratégias, como dar peso diferente a eleitores democratas e republicanos, para corrigir eventuais distorções. "Quando se amplia um campo desses, porém, cresce a margem de erro", diz Weaver. "É como quando você faz um xerox de uma foto e depois a amplia."
Para falar com os eleitores mais ariscos, uma solução é ouvi-los pela internet ou por correio em vez de por telefone, para atenuar sua desconfiança. O entendimento é que, falando com um pesquisador, o eleitor pode se sentir pressionado a dar uma resposta socialmente aceita.
O Instituto Marist, que faz levantamentos para veículos americanos como NPR e PBS, começou a abordar entrevistados via mensagem de texto nos últimos meses. "Ficou mais caro e mais difícil fazer pesquisas de intenção de voto", diz Lee Miringoff, diretor da entidade.
Patrick Murray, diretor de um centro de pesquisa na Universidade Monmouth, aponta outro desafio: as pesquisas tendem a afetar os eleitores. Nos EUA, ao contrário do Brasil, o voto é facultativo. Em 2016, quando parecia óbvio que Hillary derrotaria Trump, alguns democratas talvez tenham deixado de ir votar --e ela perdeu. "Isso é válido em especial quando se acha que o resultado já está decidido."
Ele defende os institutos, de toda forma. A insatisfação popular, afirma, tem a ver também com um equívoco sobre o que os pesquisadores fazem. "Pesquisas não são previsões inequívocas de resultado, mas um retrato de como se votaria naquela circunstância específica", explica Murray. "O problema não é pesquisas serem confiáveis ou não, mas nossas expectativas do que elas podem dizer."
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