GUARULHOS, SP (FOLHAPRESS) - Com ampla maioria, a Assembleia-Geral da ONU aprovou nesta quarta-feira (22), em Nova York, um texto que condena a anexação de porções do território da Ucrânia pela Rússia.
A moção proposta por Kiev foi analisada em mais uma das sessões de emergência para debater o conflito em vigor no Leste Europeu. Ao todo, 143 nações votaram a favor, e 5 contra. Outras 35 se abstiveram.
O Brasil apoiou o conteúdo. Havia expectativa sobre o voto do país: o rechaço ou a abstenção poderiam, de certo modo, dar munição a argumentos sobre uma suposta neutralidade brasileira na guerra.
Na última semana de setembro, o Conselho de Segurança, mais alto colegiado das Nações Unidas, rechaçou texto semelhante, que condenaria a anexação, após o veto da Rússia, um dos cinco membros permanentes. O Brasil, membro rotativo, absteve-se na ocasião.
Moscou tentou, sem sucesso, fazer com que a votação na Assembleia-Geral fosse incomumente realizada de maneira secreta. O país alegava que, com a pressão exercida por nações do Ocidente, tornava-se difícil que países menores exercessem seu posicionamento. Na ocasião, o Brasil foi um dos 107 países que votaram contra os russos.
A Rússia formalizou há duas semanas aquela que é considerada a maior anexação forçada de trechos da Europa desde a Segunda Guerra Mundial. Após realizar referendos sem transparência, absorveu o que corresponde às duas autoproclamadas repúblicas do Donbass (Donetsk e Lugansk), no leste, e as províncias de Zaporíjia e Kherson (sul).
Em resposta, Kiev formalizou o pedido de ingresso na Otan, a aliança militar ocidental que aparece no centro dos discursos de Putin para justificar a invasão do território vizinho no final de fevereiro.
Durante discurso após a votação desta quarta, o embaixador brasileiro João Genésio de Almeida Filho afirmou que o país se soma à defesa de que civis em áreas de conflito não são livres para expressar suas opiniões. Portanto, os resultados dos referendos, disse ele, "não constituem uma expressão válida e devem ser considerados ilegítimos".
Também criticou, porém, a recusa dos Estados-membros em acolher, durante o processo de negociação, uma emenda ao texto para conclamar as pastes a cessar as hostilidades e retomar negociações.
Diplomatas fizeram falas enfáticas contra as ações de Moscou. Sobraram ainda discursos críticos à própria ONU. A representação da Croácia, por exemplo, disse que a anexação mostra a "fraqueza de nossas capacidades de proteger países, especialmente quando a nação agressora é membro permanente do Conselho de Segurança".
Também houve, claro, manifestações de aliados de Moscou, como a ditadura da Síria, que conta com apoio russo na guerra civil que assola o país. A representação síria acusou nações do Ocidente de manipular o espaço por interesses econômicos. "Estão promovendo polarização entre os membros da ONU com um discurso hostil à Rússia."
A China pediu que a comunidade internacional abandone o que chamou de mentalidade de Guerra Fria, defendeu que sanções econômicas não resolvem a situação e justificou que se absteria porque o texto apresentado "não ajudaria em nada a desescalar a tensão".
Nações como as latino-americanas Bolívia, Honduras e Cuba, as africanas Eritreia, Moçambique e África do Sul e as asiáticas Índia e Paquistão também se abstiveram.
A Rússia, por sua vez, chamou a resolução de hipócrita e disse que as populações das regiões anexadas "não querem voltar para a Ucrânia". Junto ao país, votaram pelo "não" ao texto as ditaduras de Belarus, Venezuela, Coreia do Norte e Nicarágua, todas aliadas de Moscou.
Sob a ótica do direito internacional, os referendos realizados por Moscou para dar verniz legal à anexação são ilegítimos. Segundo a Constituição ucraniana, ações do tipo só podem ser realizadas na ex-república soviética caso sejam solicitadas por ao menos 3 milhões de pessoas e convocados pelo Rada, o Parlamento, e o presidente.
A medida contraria o chamado texto-base do direito internacional: a Carta da ONU. O documento diz: "Todos os membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a independência de qualquer Estado".
A expectativa prática em torno da votação na ONU, no entanto, é baixa. Em 2014, a Assembleia-Geral aprovou uma moção, com ampla maioria, em defesa da integridade territorial da Ucrânia e contra a anexação da península da Crimeia. O Brasil, então, absteve-se. Na prática, porém, Vladimir Putin assimilou a região sem grandes dificuldades.
A embaixadora dos EUA na ONU, Linda Thomas-Greenfield, lembrou da ocasião em seu discurso e disse que cabia às Nações Unidas manter posição enfática no mesmo sentido. "Hoje é a Rússia invadindo a Ucrânia, mas amanhã você pode ser o próximo a ser invadido", disse.
"Nossa mensagem é clara: não importa se falamos de uma nação rica ou pobre, nova ou velha; se for membro da ONU, não permitiremos que seu território seja redesenhado pela força."
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