MILÃO, ITÁLIA (FOLHAPRESS) - O novo Parlamento italiano foi inaugurado, nesta quinta-feira (13), com a nomeação dos 400 deputados e 200 senadores eleitos no fim de setembro. A cerimônia representa o início do processo de definição do próximo governo, que deverá ser liderado pela ultradireitista Giorgia Meloni, a primeira mulher no poder no país e herdeira política do pós-fascismo.
Presidente do partido mais votado, com 26%, e eleita para o quinto mandato na Câmara, Meloni precisa seguir um ritual que envolve o Parlamento e a Presidência da República antes de ser confirmada no cargo de primeira-ministra e, então, ter o gabinete aprovado. As tratativas podem levar algumas semanas, e a previsão otimista é que o futuro governo seja conhecido entre o fim de outubro e o começo de novembro.
Mais que uma formalidade, o processo de consulta ao presidente Sergio Mattarella, em seu papel de garantia institucional, pode influenciar a composição do ministério, com a rejeição de nomes. Em 2018, durante a formação que durou quase três meses, um cotado para a Economia acabou vetado, por posições contrárias ao euro.
É justamente nessa lista de nomes que Meloni (Irmãos da Itália) e seus parceiros na coalizão de direita, Matteo Salvini (Liga) e Silvio Berlusconi (Força, Itália), trabalham de forma intensa, com dezenas de nomes ventilados pela imprensa italiana. Antes de chegar a um "governo forte e unido", nas palavras dela, é preciso equilibrar as exigências por espaço dos aliados e as expectativas internacionais, no âmbito econômico e geopolítico.
Além da economia, um dos principais nós tem sido o papel que caberá a Salvini, que gostaria de retomar o comando do Ministério do Interior, sob o qual está a condução das políticas de segurança e imigração. Sua estratégia de "portos fechados" incluiu, entre 2018 e 2019, a proibição do desembarque de navios que prestam socorro a refugiados no Mediterrâneo.
Nesse jogo, entra também a disputa pelas presidências do Legislativo --a coalizão de ultradireita conquistou a maioria absoluta, com 237 assentos na Câmara e 115 no Senado. A escolha dos chefes das duas Casas começou já na sessão desta quinta. No Senado, foi eleito Ignazio La Russa, fundador com Meloni do Irmãos da Itália e, como ela, ex-integrante do partido pós-fascista Movimento Social Italiano.
"Será um Parlamento claramente deslocado para a direita, com o partido mais forte situado no ponto extremo", diz à reportagem Donatella Della Porta, professora de ciência política da Escola Normal Superior de Florença. Um Legislativo que, segundo ela, não corresponde totalmente à escolha da maioria do país. Devido ao sistema eleitoral misto, com vagas decididas de forma majoritária e proporcional, grandes forças políticas que conseguiram fechar coalizões foram beneficiadas: siglas da direita obtiveram 44% dos votos, que se transformaram no controle de 58% das cadeiras.
A vantagem é menor no Senado, com só 14 assentos assegurando a maioria. O cenário pode comprometer o desempenho do governo, caso se acentuem divisões observadas desde a campanha eleitoral. Meloni, Salvini e Berlusconi têm divergências em relação à resposta para a crise energética e inflacionária, ao relacionamento com a União Europeia e a aspectos da Guerra da Ucrânia.
"A direita está bem dividida, algo evidente no processo de escolha de ministros, mas também em questões de longo prazo. O Irmãos da Itália é uma sigla nacionalista, enquanto a Liga nasceu separatista. O Força, Itália representa uma direita neoliberal, a Liga é populista", explica Della Porta. "Vamos ver o quanto vai durar a aliança. Sozinha, Meloni não consegue a maioria, ela precisa de Salvini e Berlusconi."
A divisão, no entanto, não é exclusividade das forças que se preparam para governar. A oposição também se encontra em situação bastante desunida --as principais forças são o Partido Democrático, de centro-esquerda, e o populista Movimento Cinco Estrelas, que nasceu antissistema mas se posicionou recentemente à centro-esquerda.
As diferenças entre o segundo e o terceiro partido mais votados (PD, com 19%, e M5S, 15%) se aprofundaram com a queda do governo Mario Draghi, em julho, o que antecipou as eleições. A saída de Draghi foi detonada pelo M5S, enquanto o PD era apoiador ferrenho do ex-banqueiro, o que inviabilizou uma aliança no pleito, que teria sido mais competitivo.
"O PD cometeu um erro político fundamental ao se identificar muito com o governo Draghi e desvalorizar a gestão de Giuseppe Conte, bem avaliado pelos eleitores de esquerda", avalia Antonio Floridia, responsável pelo Observatório Eleitoral da Toscana e ex-integrante do PD. As duas legendas formaram a base de apoio do governo Conte 2, entre 2019 e 2021.
Enquanto o PD realizou uma campanha pouco programática, centrada na polarização com Meloni, o M5S concentrou suas propostas na manutenção do programa de renda básica, criado em seu governo e criticado pela direita, especialmente no sul do país, mais pobre. "Conte tem mérito político. Entendeu que havia um espaço de esquerda muito forte e soube remobilizar eleitores", diz Floridia.
Nos últimos dias, pesquisas mostraram que a aprovação ao M5S continua a crescer, enquanto o PD segue em declínio. O líder do partido, Enrico Letta, reconheceu a crise e deu início a um processo de revisão interna que vai culminar em um congresso, para a escolha da nova diretoria, em março.
Para Della Porta, o partido não tem condições de liderar a oposição. "O M5S apresenta uma posição mais próxima dos sindicatos, mais progressista, e está pronto para fazer uma oposição mais dinâmica."
Há ainda a agitação fora do Parlamento. Nas últimas semanas, sindicatos e movimentos feministas saíram às ruas nas grandes cidades, em defesa de políticas sociais e direitos civis, considerados ameaçados pelo futuro governo Meloni.
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