SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Xi Jinping, 69, começa sua jornada definitiva aos livros de história neste domingo (16), quando o Partido Comunista Chinês abre seu 20º Congresso para entronizá-lo por um inédito terceiro mandato como líder da segunda maior economia do mundo.

O tamanho de seu desafio está tanto em casa quanto no país que ocupa o primeiro lugar, os Estados Unidos, determinados a fazer da Guerra Fria 2.0 que travam desde 2017 contra a assertividade de Xi uma trincheira permanente.

O embate faz jus às previsões de acadêmicos como o americano Graham Allison, que estudou conflitos entre potências emergentes e estabelecidas usando como base a mais clássica das rivalidades: a de Atenas e Esparta na Grécia Antiga (século 5º a.C.) --vencida, aliás, pelos americanos de então, os espartanos.

Mas o quadro não é, nem de longe, claro. Xi chegou ao poder como um soldado do PC Chinês. Seu pai havia sido um herói revolucionário, depois um pária sob a Revolução Cultural de Mao Tse-tung e, por fim, reabilitado. Jovem, o hoje líder viu a cidade para onde foi exilado virar ponto de romaria de jovens aspirantes da burocracia.

Este é um ponto central da ascensão de Xi: a retomada de um personalismo que não se via desde que Mao (1893-1976) liderava a China. Antes dele, houve o grande arquiteto da revolução econômica que integrou o país à cadeia produtiva do Ocidente e o transformou numa potência, Deng Xiaoping (1904-97).

Assim como Mao, o fundador da China comunista em 1949, Deng foi inserido no panteão constitucional chinês. Xi também logrou isso, com apenas seis anos no poder, em 2018, quando seu pensamento foi inscrito na Carta e em diversas políticas de Estado.

Andar por Pequim, com efeito, é esbarrar em motonetas elétricas e sistemas de identificação digital high-tech, mas também em inúmeros pôsteres e cartazes com a face do líder.

A escalada ao poder de Xi passou por etapas bastante claras: expurgos internos do PC, de resto bem aceitos pelo establishment e pela população, uma confiança externa que o levou a colocar US$ 1 trilhão em 149 países integrantes da sua nova Rota da Seda de infraestrutura e um aumento claro de musculatura militar e diplomática.

Isso tudo teve um preço, que Deng sempre evitou ao pregar a paciência na ascensão que via como inevitável do colosso de 1,3 bilhão de pessoas. Os EUA, desafiados, aos poucos modelaram a parceria com os chineses em um desafio --econômico, político e, muitos temem, militar.

A Xi sobrou buscar colocar-se como prócer de um mundo em que sanções econômicas não são bem-vindas, e em que a coloração do regime parceiro importa pouco. É uma lição que aprendeu com Vladimir Putin, seu principal aliado, que comanda a Rússia por 12 anos a mais que o chinês lidera seu país.

De forma nada casual, Xi é o principal fiador do russo em sua empreitada na Ucrânia, vista no Ocidente como suicida para ambos. A China não apoia abertamente a guerra, claro, mas também não a condena e isso parece ser suficiente para deixar analistas militares de olho arregalado ao pensar no que aconteceria se o chinês cumprisse a promessa de integrar Taiwan ao continente de qualquer jeito.

Com os EUA na mira direta, Xi busca equilibrar-se com moderação no tema da guerra, ao mesmo tempo que namora uma nova ordem mundial. Seu problema começa em casa: há uma crise econômica para lidar, e uma que a China nunca viu igual.

Acostumado a um crescimento do PIB que chegou a 14,2% em 2007, o regime agora encara um avanço com sorte de 3,3% em 2021, segundo o Fundo Monetário Internacional. Houve o tombo global da pandemia em 2020, quando a China cresceu 2,2%, e o rebote de 8,1% do ano passado.

Mas os problemas objetivos seguem: a disrupção das cadeias produtivas mundiais, das quais Pequim era ponto central, e as dificuldades decorrentes da política rígida de Xi acerca da Covid-19. O país berço da pandemia a controlou na marra, com sistemas de coerção social únicos, e a sucessão de lockdowns brutais cobra seu preço.

Outros ingredientes desse caldo são a crise no mercado imobiliário, artificialmente inflado, e questões estruturais de competitividade industrial e inovação. Protestos nas províncias e até na capital têm se tornado comuns. Isso tudo torna o desacoplamento do Ocidente um prospecto complexo.

Historicamente mais importante, há o simbolismo de Xi como imperador de um governo comunista. Como argumentam acadêmicos a exemplo de Yao Yang, do Centro Chinês de Pesquisa Econômica da Universidade de Pequim, essa é uma leitura algo reducionista.

Xi, como se sabe, enaltece o papel da filosofia confucionista, que guiou a China por mais de 2.000 anos até ser ostracizada pelos comunistas. Nessa visão, o PC não é um partido no sentido ocidental: é o coração do reino, com discernimento para promover os melhores da sociedade e prover para os outros.

Yao, um defensor público do fim das amarras marxistas, reconhece que tal sistema peca por falta de escrutínio das classes dominantes. Mas acredita que há mobilidade social tão ou mais ampla do que no Ocidente, considerando a submissão ao imperador de plantão. É um debate acadêmico se desenrolando em pelo tabuleiro da realpolitik, sem direito a acesso ao Google na vigiada internet chinesa.

O Politburo do Partido Comunista Chinês dará mais cinco anos de mandato a Xi, no poder desde 15 de novembro de 2012. As regras estabelecidas por Deng previam só dois mandatos para cada governante, que foram cumpridos de forma quase anônima por seus sucessores até o atual líder. A mudança operada por Xi em 2018 dá medida de seu poder.

O dirigente viu a renda per capita chinesa dobrar nos seus anos de poder, mas também o desemprego entre jovens atingir níveis recordes. Decretou o fim da política de filho único em 2013, mas nunca houve o baby boom esperado e hoje o país teme as dores do envelhecimento de sua sociedade. Sua reposta tem sido convencional, com receituário retórico de assistencialismo socialista.

Diferentemente de outros líderes de seu país, assumiu como tarefa pessoal o que chama de "rejuvenescimento da China" --por extensão, do PC em si. Voluntarioso, anunciou quase tudo de importante que ocorreu na nação desde 2012, saindo de lado quando o resultado não foi favorável. A opacidade, vista na implacável repressão à ideia de uma Hong Kong libertária, é uma de suas marcas.

Zhou Enlai (1898-1976), premiê de toda a primeira fase da República Popular da China, uma vez foi questionado sobre os efeitos da Revolução Francesa de 1789. "Muito cedo para saber", foi sua resposta, imbuída dos 5.000 anos de perspectiva chinesa da história. Xi acelerou essa dinâmica, ao sabor dos tempos, mas é incerto se ele teria uma resposta à mesma questão.


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