SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Ao assumir o poder na China, Xi Jinping rompeu com o princípio básico da estrutura política do país: "mantenha um perfil discreto". Era o provérbio reforçado pelo pai do capitalismo chinês, Deng Xiaoping, e seguido à risca por seus sucessores. Para eles, a nação asiática tinha problemas demais internamente para participar de discussões globais ou para que seus líderes fossem tratados com destaque pela mídia.

O antecessor de Xi, por exemplo, Hu Jintao, era conhecido pela discrição. Até mesmo aliados próximos do antigo líder chinês sabiam poucos detalhes pessoais sobre ele. Na mesma linha de humildade, Hu gostava de ser fotografado compartilhando refeições simples com camponeses.

A falta de glamour, porém, nada tinha a ver com o crescimento da influência econômica e política da China. Foi sob Hu que o país gastou bilhões de dólares em obras para as Olimpíadas de 2008 e se tornou a segunda maior economia global. Tais feitos, contudo, não inibiram críticas sobre sua falta de agressividade na política interna, deixando de lado reformas políticas e o combate à corrupção.

A ascensão econômica, inclusive, foi fundamental na mudança de postura adotada por Xi, eleito em 2012.

"Ele herdou um país internamente já muito bem resolvido, com economia aberta e inserido no sistema internacional. Ele se deu conta de que era hora de partir para o exterior e ter uma atuação importante no cenário global", explica Felipe Heiermann, pesquisador da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Exemplo disso é o papel adquirido pela China nas Nações Unidas sob o comando de Xi. No ano passado, Pequim dirigiu um terço das 15 agências da ONU -posição inimaginável há décadas atrás. O país também passou a utilizar com maior frequência o poder de veto no Conselho de Segurança. Desde 1971, quando se tornou membro permanente do órgão, até dezembro do ano passado, a China vetou 15 resoluções, oito delas sob a liderança atual.

Xi assumiu sua posição com pretensões de compartilhar pacificamente com os EUA a dianteira em discussões globais. Uma de suas primeiras viagens oficiais como dirigente foi aos EUA, onde se encontrou com Barack Obama, em 2013. Na ocasião, os dois líderes afastaram a possibilidade de uma guerra fria entre os dois países -compromisso que o tempo levou ao fracasso.

Para Marcos Caramuru, ex-embaixador do Brasil na China, até os vestidos da esposa de Xi denotam a mudança de postura do dirigente em relação à discrição de seus antecessores. "Líderes chineses jamais levavam suas mulheres a uma viagem internacional; mas o Xi começou a fazer isso, e sua mulher passou a vestir roupas de designers chineses."

O detalhe, afirma o diplomata, mostra uma abordagem diferente da tradicional entre vida pública e privada. "Foi com o Xi que a China se apresentou ao mundo de forma mais segura e autoconfiante."

Sob a batuta de Xi, empresas chinesas aumentaram seus investimentos no exterior, e a China se tornou o principal parceiro econômico de mais de 120 países. Neste campo, porém, a influência do atual líder é limitada. De acordo com especialistas, era natural que a iniciativa privada chinesa buscasse negócios em outras nações uma vez que o desenvolvimento interno já havia atingido seu ápice em anos anteriores.

Paralelamente, -e aí, sim, sob influência direta de Xi- a China mudou a forma como a comunidade global via a política econômica de Pequim. Até então, a administração de Hu havia reforçado a abertura da economia do país, tornando-a semelhante à de potências ocidentais. Mas Xi preferiu adotar políticas bastante intervencionistas.

Um exemplo é a obrigatoriedade da participação de membros do Partido Comunista em grandes empresas do país. A norma afetou até mesmo o banco britânico HSBC, que neste ano precisou instalar um comitê do partido em sua subsidiária na China.

As mudanças, de toda forma, podem ter impactado os números sociais da gestão Xi. No ano passado, por exemplo, ele anunciou a erradicação da pobreza extrema no país -quando assumiu o poder, 17% da população estava nessa categoria, segundo o Banco Mundial. Além disso, Xi vê anualmente o leque entre ricos e pobres diminuir na nação asiática.

"Para o governo Xi, a qualidade do desenvolvimento econômico passa a ser mais importante do que a quantidade", diz Larissa Wachholz, ex-assessora especial do Ministério da Agricultura do Brasil para assuntos relativos à China.

Essa meta, porém, cobra um preço alto da população chinesa. Um exemplo é o rígido controle governamental da internet do país. Sob Hu, a China já era considerada pela organização Repórteres Sem Fronteiras "a maior prisão do mundo para nativos digitais", mas a vigilância sob Xi ficou ainda maior. No ano passado, a Freedom House deu nota zero para Pequim no que se refere à liberdade na internet.

Xi também apertou o cerco contra os uigures, minoria muçulmana que ocupa a região de Xinjiang, no oeste do país. Historicamente envolvida em tensões com Pequim, a etnia foi alvo de operações "de contraterrorismo e combate ao extremismo" por parte da administração de Xi -mecanismos que a ONU considera violações dos direitos humanos.

Seja como for, em uma terra onde provérbios fazem parte da cultura, Xi pode ter ignorado alguns de Deng, mas assimilou um conhecido da história chinesa: "se você não mudar a direção, terminará exatamente onde começou".


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