BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) - Em termos de diplomacia, há uma espécie de Brasil permanente, que pouco se altera no caso da mudança de um presidente no contexto atual, diz Diego Guelar, 72, ex-embaixador da Argentina no país --ele serviu também nos Estados Unidos e na China.

Um dos mais reconhecidos analistas das relações internacionais argentinos, Guelar ajudou a formular a política exterior do ex-presidente Mauricio Macri. "Não creio que exista uma guinada à esquerda na América Latina, mas sim que presidentes recém-eleitos têm sido obrigados a buscar a moderação."

Guelar falou à reportagem em Buenos Aires.

Como o sr. vê as eleições no Brasil?

DIEGO GUELAR - Há um Brasil permanente, que não se altera caso ganhe Bolsonaro (PL) ou Lula (PT). Se pensarmos no contexto internacional --com o conflito entre Rússia e Ucrânia, a mudança de perfil da China-- e na "realpolitik", não faz diferença, em termos geopolíticos, quem vença.

As retóricas de ambos são muito diferentes, claro, mas elas não são elemento central na política mundial hoje --são folclore. Tomemos o caso de [Vladimir] Putin: a retórica dele não é nova e é terrível; o modo autoritário, como se apresenta em termos de imagem e trata opositores. Mas tudo isso foi absorvido e de certo modo aceito pela comunidade internacional. Até o momento em que decidiu invadir a Ucrânia. Aí a coisa muda, não se trata mais de folclore, mas uma decisão real que tem impacto no planeta.

Há folclores que podem ser muito antipáticos para muitos, como é o de Cristina Kirchner na Argentina ou o de Bolsonaro. Mas enquanto não se transformam em decisões radicais, não alteram a geopolítica. A Itália terá uma líder que sobressai pelo folclore, assusta a muitos; mas se amanhã ela sair numa foto com [o alemão Olaf] Scholz e [o francês Emmanuel] Macron, o que deve ocorrer, isso se dilui, se normaliza.

Em termos da relação bilateral, não há diferença significativa para a Argentina com Lula ou Bolsonaro?

D. G. - Sim, Bolsonaro foi refratário à Argentina, mas Alberto Fernández não ajudou em nada --ao contrário, foi bastante agressivo. E Bolsonaro não tinha porque ir atrás de remendar a relação, porque quem perde mais com esse esfriamento é a Argentina. A iniciativa deveria ter partido de Buenos Aires.

Se Lula ganhar, não vejo por que tomaria decisões para ajudar um governo argentino arrasado, em seu último ano de mandato e que muito provavelmente irá perder as eleições do ano que vem. Uma coisa será a retórica, o folclore, de Lula com Fernández e Cristina, que será de simpatia, amizade. Mas, na prática, um provável novo governo do PT estará olhando para a sucessão da Argentina, e o mais certo é que tenhamos um governo de centro-direita.

Uma vitória de Lula não daria fôlego a uma candidatura kirchnerista, possivelmente de Cristina?

D. G. - Não tenho dúvida de que Lula será usado na campanha do kirchnerismo, mas ele é um político inteligente e que sabe traçar estratégias. Então creio que dificilmente se envolverá demais.

E qual seria o impacto para gestões de esquerda que acabam de começar, como as de Colômbia e Chile?

D. G. - Do ponto de vista de uma política mais integradora, Chile e Colômbia juntos são uma combinação muito mais interessante para o Brasil do que a Argentina de hoje. Devido às relações comerciais no âmbito do Pacífico, por terem sido eleitos recentemente e serem do mesmo signo político.

Mas vejo um caminho à moderação na região --e vejo com otimismo. Tanto [Gabriel] Boric como [Gustavo] Petro amenizaram suas posições. Boric está muito mais ao centro do que sua base eleitoral, e Petro é um esquerdista que atua com pragmatismo também; basta ver que escolheu um chanceler moderado [Álvaro Leyva] e não correu para salvar [Nicolás] Maduro. Deixou claro que a reaproximação com a Venezuela se dá em termos práticos: retomada comercial, a necessidade de criar um canal de contato para a paz com o ELN.

Maduro quer mais, mas Petro não será defensor da ditadura chavista diante do mundo. É errado ver nele um radical. Eu fui guerrilheiro montonero e hoje me identifico com a centro-direita.

O sr. vê os futuros governos de Brasil e Argentina também caminhando para a moderação?

D. G. - Sim, o Lula que muito provavelmente ganhará as eleições não é um ressentido, surge como alguém que saiu de uma situação difícil disposto a aproximações e alianças. E a centro-direita que provavelmente ganhará na Argentina, seja com uma nova candidatura de Mauricio Macri, seja com Patricia Bullrich ou Horacio Larreta, tampouco buscará extremos.

Não concordo com a ideia de que há um pêndulo e agora vem uma onda de esquerda na região. Vejo um novo cenário num novo mundo. Uma América do Sul multi-ideológica, mas que cabe na mesma foto. Não vejo porque essa foto não possa ocorrer sem que alguém perca sua retórica. Com Putin e [Donald] Trump, aprendeu-se que loucos legitimados pelas urnas são perigosos. É por isso que Bolsonaro deve perder, que Cristina não tenha chance de ganhar e que esses líderes da região buscarão moderação.

Há uma preocupação no Brasil com um discurso que incita a violência, principalmente por parte de Bolsonaro. O sr. vê semelhança com o tom que usa o governo argentino com a oposição? Há risco de aumento da violência política na região?

D. G. - Tanto Bolsonaro como Cristina incentivam atitudes violentas, e isso é lamentável. No Brasil há ataques físicos a opositores. As pessoas que atacaram Cristina são fruto de sua retórica agressiva, uma resposta a ela.

Mas é preciso separar o pontual do geral. Cristina estimula a violência ao atacar a oposição, os meios de comunicação, a Justiça, porém não temos uma milícia kirchnerista. O próprio atentado foi um episódio isolado, cometido por um grupo que não representa um setor grande da sociedade.

O ex-embaixador da Argentina no Brasil Diego Guelar em evento na China Sikarin Fon Thanachaiary - 2.jul.19/Divulgação Fórum Econômico Mundial **** No caso do Brasil, ainda que poucos bolsonaristas saiam a cometer crimes, será algo episódico. Não acredito que um número significativo de militantes possa tomar as ruas e causar um problema grave, caso Bolsonaro perca. A intensidade da resposta à mensagem de ambos é muito baixa, e isso reforça a ideia de que caminhamos para uma moderação; líderes estridentes estão perdendo espaço e eleições.

Raio-x

Diego Guelar, 72

Ex-embaixador da Argentina na China, nos EUA e no Brasil, foi assessor para relações internacionais do ex-presidente Mauricio Macri. Na juventude, atuou como militante montonero. É autor de "La Invasión Silenciosa" e "El Pueblo Nunca se Equivoca".


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