SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Sob a percepção de que a política externa terá um papel central no terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a partir de janeiro, o Itamaraty se tornou um dos postos mais cobiçados da gestão que se dedica agora à transição de governo.

As Relações Exteriores nunca foram propriamente cobiçadas, já que, em relação a outros ministérios, a pasta tem pouca verba e oferece menos visibilidade para quem planeja disputar eleições. Lula, porém, que investiu na diplomacia presidencial em seus primeiros mandatos, já disse que quer reconstruir a imagem do Brasil no mundo após anos de ostracismo sob Jair Bolsonaro (PL). Com isso, o titular do Itamaraty deve ter relação próxima com o chefe do Executivo e papel de destaque no futuro governo.

O nome do ex-ministro da Educação Fernando Haddad ganhou tração na bolsa de apostas nos últimos dias. Ele enfrenta a concorrência de Aloizio Mercadante, que deixou claro o desejo de ser chanceler.

Ex-titular da Casa Civil, da Educação e da Ciência em governos petistas, o político estava desgastado após a gestão Dilma Rousseff, mas se reabilitou liderando o programa de governo de Lula na campanha e hoje atua como coordenador técnico da equipe de transição.

Sua personalidade vista como desagregadora, porém, é considerada empecilho por envolvidos na discussão. Segundo uma dessas pessoas, ter Mercadante nas negociações internacionais seria como pôr um elefante em uma loja de louças.

Haddad, que foi derrotado na corrida pelo Governo de São Paulo, mas com a maior votação da história de um candidato do PT ao cargo, tem apoio de parte de sociedade civil e de interlocutores de Lula. Ele fará parte da comitiva do presidente eleito ao Egito, para a COP27, na semana que vem. A cúpula do clima da ONU é vista como parte desse retorno do Brasil ao cenário internacional mirado por Lula, com a reconstrução da política ambiental como linha mestra.

O senador Jaques Wagner (PT-BA), ex-ministro da Defesa, também tem sido aventado, mas com menos ênfase.

Todo esse arranjo depende da decisão de Celso Amorim de liderar ou não o Itamaraty novamente --ele terá, ao lado de Lula, a palavra final e não descarta a possibilidade de voltar ao cargo se o presidente eleito assim o requisitar. O ex-ministro, porém, tem manifestado desejo de atuar como assessor internacional da Presidência, com um diplomata de carreira chefiando a pasta.

O nome preferido nesse cenário é o de Mauro Vieira. Parte do PT aprecia o que vê como lealdade do ex-chanceler (gestão Dilma), que visitou o Instituto Lula e manteve contato com interlocutores do ex-presidente quando o petista estava preso. Vieira, hoje embaixador na Croácia, esteve recentemente em São Paulo para conversas.

Há, porém, um desejo de aumentar a diversidade na liderança do Itamaraty, o que põe duas mulheres no páreo. São elas Maria Luiza Ribeiro Viotti, que foi representante do Brasil na ONU e chefe de gabinete do secretário-geral António Guterres, e Maria Laura da Rocha, atual embaixadora na Romênia -a diplomata, que foi chefe de gabinete de Amorim, é negra, outro fator considerado no esforço por representatividade.

Caso o chanceler por fim seja homem, certamente mulheres ocuparão a secretaria-geral (número 2 na hierarquia) e outros cargos de liderança.

A política externa de Lula deve ter dois objetivos mais urgentes: reconstruir o relacionamento com países da América do Sul e o impulso do soft power ambiental.

O primeiro ponto passa pela ressurreição da Unasul ou pela volta do Brasil à Celac (Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos), e reorganizar o Mercosul, num realinhamento com a Argentina e contrário a flexibilizações ou possibilidade de negociações individuais, é considerado premente.

Ingressar na OCDE e ter esse "selo de qualidade" para investidores deve deixar de ser uma prioridade central. O processo de acessão ao chamado clube dos países ricos, acelerado no governo Michel Temer (MDB), havia avançado, mas esbarrara na oposição de alguns membros devido a retrocessos no combate à corrupção e à política ambiental desastrosa de Jair Bolsonaro.

Também se espera que as votações na ONU voltem à tradição da diplomacia pré-bolsonarista, com apoios a resoluções críticas a Israel e contra o embargo americano a Cuba. O Brasil ainda deixará de se alinhar a Hungria e Polônia, resgatando posicionamentos em defesa de direitos humanos e das minorias.

Amorim e o diplomata Audo Faleiro, que lidera a transição, têm dito que não haverá uma caça às bruxas contra bolsonaristas no Itamaraty. Sob Ernesto Araújo, diplomatas que não compartilhavam de uma ideologia "antiglobalista" e de ultradireita acabaram escanteados.

O próprio Faleiro acabou no chamado "Departamento de Escadas e Corredores" depois de não passar no filtro do Palácio do Planalto, por ter trabalhado com o assessor internacional Marco Aurélio Garcia nos governos petistas. Nomeado chefe da Divisão da Europa Ocidental em 2019, ele foi exonerado dias depois.

No novo governo Lula, porém, devem ser reabilitados diplomatas que se "exilaram" fora da pasta, como Everton Vargas, especialista em meio ambiente que hoje é coordenador de Relações Internacionais no Governo do Pará. Outras mudanças são inevitáveis. Nestor Forster, muito identificado com Olavo de Carvalho e o bolsonarismo, não deve se manter na embaixada americana, em Washington.

Os embaixadores mais bolsonaristas tampouco devem ser recompensados. Luís Fernando Serra (Paris), que criticou publicamente Lula, já está removido e vai se aposentar. Pompeu Andreucci (Quito) defendeu Bolsonaro de críticas em artigos de jornal. Maria Nazareth Farani Azevêdo, a Lelé (cônsul em Nova York), chegou a bater boca com o ex-deputado Jean Wyllys no Conselho de Direitos Humanos da ONU para defender o governo.


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