SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Um cardeal italiano investigado por crimes financeiros gravou, sem consentimento, uma conversa telefônica com o papa Francisco, na qual ele tentou induzir o pontífice a confirmar que tinha aprovado movimentações confidenciais de dinheiro, segundo informou nesta sexta-feira (25) a imprensa local.
O áudio não foi tornado público, mas uma audiência nesta quinta (24) no Tribunal do Vaticano revelou a existência da gravação feita pelo cardeal Angelo Becciu, ex-conselheiro próximo de Francisco, em julho do ano passado.
O registro da conversa ocorreu quando o papa se recuperava de uma cirurgia intestinal e três dias antes do início do julgamento de Becciu --afastado do cargo e destituído de seus privilégios canônicos em setembro de 2020, na esteira de um escândalo sobre um acordo imobiliário em Londres. A gravação teria sido feita com a ajuda de um familiar do cardeal, que estava ao lado dele.
Na audiência desta quinta, repórteres tiveram de sair da sala do tribunal durante a reprodução do áudio, mas advogados presentes no momento disseram que Becciu pediu a Francisco que confirmasse ter autorizado um pagamento, a fim de ajudar a libertar uma freira sequestrada no Mali.
"Você me deu, ou não, a autorização para iniciar as operações de libertação da religiosa?", perguntou Becciu, segundo a transcrição publicada, entre outros veículos, pelo jornal italiano Il Messaggero. "Tínhamos estabelecido o resgate em EUR 500 mil euros (R$ 2,81 mi), não mais que isso, porque nos parecia imoral dar mais dinheiro para os terroristas. Acho que já o havia informado de tudo isto. Lembra?".
Francisco teria respondido que se lembrava vagamente e pedido ao cardeal que enviasse a pergunta por escrito.
Em maio deste ano, numa fase anterior do processo, Becciu disse ao Tribunal do Vaticano que Francisco aprovou gastos de até EUR 1 milhão (R$ 5,62 mi) para libertar a missionária Gloria Cecilia Narvaez --sequestrada pelo movimento jihadista malinês Frente de Libertação de Macina em 2017 e solta em 2021.
O caso remete à 2018, quando Becciu era a terceira pessoa mais poderosa na hierarquia do Vaticano. À época, ele contratou Cecilia Marogna, uma autodenominada analista de segurança, para operar o resgate.
Marogna recebeu EUR 575 mil (R$ 3,23 mi) da Secretaria de Estado, departamento mais importante do Vaticano, de 2018 a 2019, época em que Becciu estava no cargo. O dinheiro foi enviado para uma empresa fundada por ela na Eslovênia.
Posteriormente, a polícia descobriu que a analista gastou parte dos recursos para uso pessoal, na compra de roupas de grife e em hotéis luxuosos. Marogna é corréu no processo, acusada de desvio de dinheiro.
Nesta quinta, Becciu enfrentou no tribunal a principal fonte da acusação, seu ex-assistente, monsenhor Alberto Perlasca.
Perlasca contou ao tribunal como recebeu ordens para fazer pagamentos que considerava incomuns: o envio de EUR 100 mil (R$ 556 mil) para uma instituição de caridade na Sardenha --sem saber na época que era ligada à família do cardeal. Becciu alegou que a instituição ajudou a criar empregos numa área pobre.
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