BUENOS AIRES (FOLHAPRESS) - Ao voltar de férias com seus filhos, em setembro, o presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, levou um susto. Na pista do aeroporto de Montevidéu, o avião era aguardado pela polícia, que tinha um mandado de prisão contra o então chefe de segurança da Presidência, Alejandro Astesiano.
A acusação, que surpreendeu o país, era a de que o assessor integrava uma quadrilha de falsificação de passaportes. Lacalle Pou afirmou prontamente que não sabia de nada e que esperaria as investigações.
Três meses depois, o caso, em vez de ter sido esclarecido, parece ter se complicado ainda mais, com uma nova denúncia. A análise do celular apreendido de Astesiano indicou que ele também estaria agindo como espião, disparando informações sigilosas da sede do poder Executivo ?e cobrando por elas.
O Uruguai, que preza pela legalidade e pela institucionalidade como pilares da cultura nacional, passou a acompanhar o episódio como que acompanha uma novela. O último escândalo político de relevo que muitos se recordam no país foi em 2017, quando Raúl Sendic, então vice de Tabaré Vázquez, renunciou por ter comprado uma bermuda e outros itens triviais com o cartão corporativo do governo.
Pesquisa realizada em novembro pela Usina de Percepción Ciudadana (UPC) mostrou que o caso de Astesiano já teve um impacto negativo na imagem de Lacalle Pou para 52% dos entrevistados, com 69% afirmando acreditar que o ex-chefe de segurança tinha cúmplices dentro do governo.
Depois de iniciar sua gestão em 2020 com bons índices de popularidade ?e melhorá-los, principalmente graças à condução da pandemia de Covid, considerada satisfatória?, o presidente agora enfrenta seu momento mais difícil. Se nos primeiros seis meses de gestão ele chegou a ter mais de 60% de aprovação, agora, a dois anos de terminar o mandato, está com 46%, segundo a consultoria Equipos.
Para a cientista política Victoria Gadea, da Universidade da República, há duas características da cultura uruguaia que dão destaque ao caso. "Por um lado, a premissa da excepcionalidade da institucionalidade ?e essa é a razão pela qual nos causa surpresa um episódio assim. Por outro, somos um país pequeno, em que a proximidade permeia as relações", diz à Folha. "Quando surgem casos assim, sempre aparece uma justificativa pelo lado da proximidade. Mas não creio que essa situação nos defina de maneira macro."
Reportagem recente publicada pelo jornal La Diaria revelou que Astesiano havia atendido a um pedido da empresa belga Katoen Natie para entregar informações e dados dos senadores Mario Bergara e Charles Carrera, envolvidos na tramitação do projeto de concessão de parte do porto de Montevidéu. Os parlamentares, de oposição, levaram a denúncia à Justiça, e a quebra do sigilo bancário do ex-assessor presidencial revelou que ele teria, de fato, recebido transferências da companhia do setor químico.
Também fazem parte da investigação acusações de que Astesiano teria vendido a empresas estrangeiras planos de obras do Estado, além de detalhes de equipamentos das Forças Armadas.
Lacalle Pou, em entrevistas desde o surgimento do caso, vem dizendo que desconhecia as atividades do funcionário, mas que confiava nele ?assim como todos os membros de sua família. "Astesiano cuidava da nossa segurança. Eu não entrego o que mais valorizo na minha vida, como a segurança dos meus filhos, a qualquer um. Creio que as pessoas são boas até que se demonstre o contrário", disse na última segunda-feira (28). "Também sei que ninguém está acima da lei, por isso espero as conclusões da investigação."
Por outro lado, o líder uruguaio não conseguiu explicar, até agora, por que uma figura como o ex-assessor, que carrega mais de 20 acusações ainda pendentes na Justiça ?de delitos como roubo e fraude a outros menos graves?, chegou à posição privilegiada em que estava.
Astesiano trabalhava para a família do atual presidente desde os anos 1990. O pai de Lacalle Pou, Luis Alberto Lacalle Herrera, também chefiou o Executivo do país, entre 1990 e 1995, quando o ex-assessor foi contratado como motorista de Sergio Abreu, então vice-presidente. No posto, teria ganhado a confiança de Julia Pou, senadora e primeira-dama, passando a trabalhar com os Lacalle Herreras.
As gestões da Frente Ampla ?coalizão de centro-esquerda encabeçada por Vázquez e José "Pepe" Mujica? derrubaram a norma de que, para cuidar da segurança do presidente, era necessário ter alguma especialização na área. Com a mudança, Astesiano pôde ascender ao posto no governo de centro-direita.
Embora a disputa pela sucessão ainda esteja relativamente longe, já que a eleição será realizada apenas em 2024, a Frente Ampla já tem usado o episódio como forma de desgastar o presidente. "O governo e a oposição veem nesse episódio incentivos para adotar uma narrativa com fins eleitorais ?e ambos estão fazendo uso disso. Mas o que a maioria dos uruguaios quer é que não se desrespeitem as instituições do país, que são tradicionalmente fortes. Um rápido esclarecimento dos casos ajudaria muito", afirma Gadea.
Lacalle Pou, por sua vez, diz que todos os que "derem espaço e estímulo a essa história estão danificando a democracia uruguaia". Enquanto isso, a Frente Ampla pede que a Justiça divulgue o conteúdo das conversas e as trocas de mensagens entre Astesiano e o mandatário ?algo que a promotora do caso, Gabriela Fossati, afirmou que não fará enquanto a ação não for finalizada.
Desde que Lacalle Pou iniciou a gestão, esse é o seu momento mais difícil. No meio do ano, separou-se da paisagista Lorena "Loli" Ponce de León, companheira havia mais de 20 anos e mãe de seus filhos.
O tamanho de Montevidéu tem exposto o presidente à população. Ele já foi visto comendo um "chivito" (sanduíche tradicional) em um bar ou emendando uma longa conversa com uma vendedora de alfajorres. Quando não está na cidade, prefere surfar as ondas da costa uruguaia, em especial na cidade de Rocha.
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