WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) - Durante as duas semanas em que esteve internada em um hospital na Costa Leste americana, a jovem brasileira Hannah Neves não teve acesso ao celular. Estava se recuperando depois de, em depressão, tomar uma overdose de aspirina. Foi só depois de receber alta que ela leu o email de Yale, a prestigiosa universidade em que cursava a graduação em história. Neves descobriu que tinha sido expulsa.
O caso dessa jovem de Manaus é uma das peças-chave do processo movido por estudantes contra Yale. Eles acusam a instituição de discriminar alunos que enfrentam questões de saúde mental.
Essa discriminação, afirmam, manifesta-se na pressão exercida pela administração para que estudantes abandonem o curso no caso de terem dificuldades psicológicas. Existe uma preocupação, dizem, em manter a imagem de universidade de elite, em que apenas os melhores prosperam. Fundada em 1701, Yale, em New Haven, no estado de Connecticut, é uma das mais antigas e renomadas dos EUA.
A discriminação também aparece quando a universidade coloca obstáculos para o retorno dos alunos, mesmo após a melhora dos sintomas, o que gera mais traumas. Eles precisam esperar dois semestres, fazer cursos externos e passar por entrevistas, em geral.
Neves preferiu não conversar com a reportagem. O texto do processo, porém, detalha sua experiência. A brasileira teve bom desempenho na graduação, participando de grupos de teatro e trabalhando como voluntária em um dos museus de Yale. Ela começou a ter sintomas de depressão e, em 2020, durante seu terceiro ano de graduação, quando tinha em torno de 20 anos, teve a overdose de aspirina.
No hospital em que esteve internada, foi visitada por três representantes de Yale, incluindo um psiquiatra.
Segundo o processo, os três a pressionaram para que deixasse o curso dizendo que "pegaria mal" se fosse expulsa contra sua vontade. Quando descobriu que tinha sido expulsa, soube também que a universidade dava 72 horas para que abandonasse seu dormitório no campus; ela poderia voltar apenas acompanhada de um policial, para recolher seus pertences. A situação foi ainda mais difícil porque Neves estava nos EUA com visto de estudante. Retirada do curso, teve apenas 15 dias para retornar ao Brasil.
Ela tentou voltar no semestre seguinte, mas foi impedida. A universidade impôs uma espera de um ano. Voltou em 2021 e, segundo o processo, tem tido bom desempenho. Deve se graduar no semestre que vem.
Segundo Deborah Dorfman, uma das advogadas que representam os estudantes, Yale viola uma série de leis americanas --incluindo os estatutos sobre deficiências, reabilitação, habitação, proteção de pacientes e acesso ao tratamento.
Um dos problemas, diz, é que as regras de Yale são rígidas e não se adaptam a casos excepcionais, como os de estudantes com determinadas condições psicológicas. "São forçados a largar o curso, mesmo quando não querem." Diretora-executiva do Disability Rights Connecticut, Dorfman afirma ainda que os alunos que conseguem voltar a Yale são tratados com maior rigor que os demais.
Em uma nota encaminhada à reportagem, a administração de Yale afirmou que suas regras estão de acordo com todas as leis e regulações. "Apesar disso, estamos trabalhando em mudanças adequadas ao bem-estar emocional e financeiro dos alunos", diz o texto. "Os professores, funcionários e líderes de Yale se importam de maneira profunda com nossos alunos. Reconhecemos quão angustiante e quão difícil é para os estudantes [...] quando eles enfrentam desafios de saúde mental."
O processo não pede compensação financeira. Os alunos insistem que Yale mude suas regras para acomodar pessoas com diferentes perfis. Em vez de forçar os alunos a deixar a graduação, por exemplo, a universidade poderia permitir que continuassem no curso, mas com uma carga horária reduzida.
Rishi Mirchandani, que também faz parte do processo contra a universidade, lembra que nos anos 1960 houve um movimento em Yale para enfatizar o rigor do ensino.
"Havia a noção de que uma instituição de prestígio precisa ser rigorosa e inflexível. Isso resultou em discriminação sistêmica, por não levar em consideração que as pessoas aprendem de maneiras diferentes e que alunos com dificuldade de aprendizado podem contribuir para a comunidade acadêmica", diz. "Um dos problemas é que essas regras foram criadas para o perfil de aluno que existia naquela época --todos brancos, de escolas particulares e famílias ricas. Yale é um lugar diferente agora, mais diverso, mais internacional."
Mirchandani é um dos fundadores da ONG Elis for Rachael, criada após o suicídio de Rachael Shaw-Rosenbaum. A aluna de 18 anos chegou a publicar relatos na internet sobre o receio de ter que abandonar o curso em Yale. "Eles criaram um sistema binário em que ou você faz todos os cursos ou tem que ir embora", afirma, acrescentando que outras universidades oferecem alternativas melhores.
Ele teve uma experiência parecida com a de Neves. Passou por uma crise psiquiátrica que o levou a uma internação hospitalar. Para evitar a expulsão, pediu uma licença temporária. "Depois de alguns meses, meus médicos queriam que eu voltasse para a escola. Era o próximo passo na minha recuperação." Yale, porém, exigiu que ele esperasse um ano inteiro.
"Diziam que era cedo demais, mesmo os médicos afirmando o contrário", diz. Mirchandani voltou e concluiu o curso com a distinção "summa cum laude", dada àqueles com desempenho excepcional.
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