SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Indicada para ser, a partir de janeiro, a primeira mulher na secretaria-geral do Itamaraty, a embaixadora Maria Laura da Rocha, 67, espera que a presença feminina em postos de chefia na pasta deixe de ser digna de nota.

"Queremos que ter mulheres no comando seja algo tão normal quanto ter homens", diz à Folha a diplomata, hoje embaixadora do Brasil na Romênia. "Queremos continuar esse caminho, ter muitas profissionais no topo da carreira, mais mulheres em posições de comando. Vai chegar um momento em que teremos uma ministra das Relações Exteriores, é inevitável que isso aconteça com o tempo."

A indicação de Maria Laura para a secretaria-geral foi anunciada nesta quarta-feira (14) em entrevista coletiva dada por Mauro Vieira, que assumirá como chanceler no governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O nome do futuro ministro causou frustração entre parte das mulheres diplomatas e parcelas do PT que gostariam de emplacar uma chanceler mulher e tiveram de se contentar com o segundo posto da hierarquia. As críticas também levaram em conta o fato de Vieira, quando chefiou as Relações Exteriores pela primeira vez, na gestão Dilma Rousseff, promoveu poucas mulheres na hierarquia interna.

Maria Laura já foi embaixadora na Hungria, junto à Unesco e à FAO. Fã de MPB, chegou a cantar no álbum "Rio" ao lado do trompetista Chet Baker, em 1983.

PERGUNTA - Qual deve ser seu maior desafio como secretária-geral do Itamaraty?

MARIA LAURA DA ROCHA - O primeiro é não decepcionar minhas colegas diplomatas ao ser nomeada a primeira mulher secretária-geral. Estou há quatro décadas na carreira. Sabemos que linha seguir para manter a qualidade da posição brasileira no exterior.

O Brasil sempre foi muito importante -na área do clima, dos direitos humanos, na ONU. A gente ficou um pouco fora durante esse período [governo Bolsonaro], espero que voltemos bem rápido à linha que sempre seguimos. Meu objetivo é manter o Itamaraty entusiasmado com o trabalho, quem faz o Itamaraty é essencialmente seu pessoal; diplomatas, funcionários no exterior, oficiais de chancelaria.

P. - Como primeira mulher secretária-geral, o que a sra. pretende fazer a partir desse marco?

MR - O aumento no número de mulheres na carreira diplomática e em postos de chefia vem acontecendo paulatinamente, às vezes de forma mais intensa, às vezes menos. Houve crescimento no governo Lula e sob a presidente Dilma -apesar de terem dito que o Mauro [Vieira] não promoveu mulheres, ele ficou apenas um ano e meio e num período muito difícil, de crise [durante o processo de impeachment da ex-presidente].

Queremos continuar esse caminho, ter muitas profissionais no topo da carreira, mais mulheres em posições de comando. E vai chegar o momento em que teremos uma ministra das Relações Exteriores, é inevitável. Eu fui a primeira mulher embaixadora na Unesco, a primeira junto à FAO, primeira na Hungria e na Romênia. Tivemos embaixadora em Paris, em Berlim, agora precisamos ir expandindo. Ter uma em Londres, Washington, Buenos Aires, Roma. Isso tem que se tornar a normalidade, queremos que a presença das mulheres no comando seja tão normal quanto dos homens.

P. - O Grupo de Mulheres Diplomatas encaminhou ao atual chanceler, Carlos França, um documento pedindo maior representação das mulheres em postos de chefia e paridade de gênero em todos os colegiados do ministério. A senhora tem alguma meta nesse sentido?

MR - A paridade é um desafio, porque há menos mulheres entrando na carreira, mas é crucial ter uma visibilidade maior para as mulheres. Vamos dar maior espaço na hora das promoções, remoções para o exterior, em uma espécie de ação afirmativa informal, que já vinha acontecendo e precisa se manter e se aprofundar. Mauro está superafinado com isso. Ter mulheres em postos importantes mostra para as colegas mais jovens que dá para chegar lá.

P. - A sra. se identifica como negra?

MR - Eu sou parda e me considero negra, com muito orgulho. Toda minha família é negra e mestiça. Minha avó paterna era branca e meu avô era negro, meu avô paterno era português e minha avó mestiça. Eu me aprofundei na questão racial quando era chefe de gabinete de Ronaldo Sardenberg na Secretaria de Assuntos Estratégicos no governo FHC, nos anos 1990. Participei de um grupo de trabalho para propor políticas públicas para valorização da população negra -um trabalho maravilhoso, com lideranças do movimento negro.

P. - Na secretaria-geral há a ideia de aumentar a representatividade de diplomatas negros em posições de chefia?

MR - Sim, a visibilidade é importante tanto no caso das mulheres como dos negros. Isso é importante também como combate ao preconceito. Eu tinha um colega negro que, sempre que chegava para dar uma palestra, bem vestido, dirigindo um carrão, era abordado pelo funcionário do estacionamento, que achava que ele era motorista de alguma autoridade. Essa visão preconceituosa tem que acabar, e para isso precisamos ter negros em posições de comando -ministros, parlamentares, embaixadores, médicos-, votar em negros.

P. - O grupo de trabalho de transição fala na necessidade de reconstruir o Itamaraty após a gestão caótica de Ernesto Araújo. Como será esse trabalho de reconstrução?

MR - Eu sou sempre pelo amor. Não podemos perder nenhum minuto, nenhum neurônio, com raiva ou ódio de pessoas. As pessoas assumem suas posições por oportunismo, por insegurança. No Itamaraty, espero que essa divisão que tomou conta da sociedade fique mais leve. A primeira coisa importante é voltar ao foco no trabalho para o qual estudamos e colocar as coisas de volta onde sempre estiveram. O diferente, a exceção, foi esse período [governo Bolsonaro].

P. - Como foi gravar o disco com Chet Baker?

MR - [risos] A figura principal do disco é o Jim Porto, um brasileiro que foi para a Itália levado pelo meu marido, o produtor musical italiano Sandro Melaranci. Porto chegou na Itália nos anos 1970. O disco reuniu músicos italianos maravilhosos. Pantoja, que trabalhou com o Djavan, foi o arranjador. Chet Baker era amigo do Sandro e toca em duas músicas nesse disco.

Eu entrei ali porque sempre gostei muito de cantar. E gosto até hoje, canto MPB, samba. Minha filha mais nova, Marina, é cantora lírica profissional. Mas a estrela do disco era o Jim, eu fazia só o coro.


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