MILÃO, ITÁLIA (FOLHAPRESS) - Neste dezembro, além de acompanhar o calendário do advento, como é chamada a contagem regressiva para o Natal que tradicionalmente enfeita as casas europeias, os britânicos precisam seguir com atenção uma outra agenda --a das greves dos serviços públicos.
Depois de diversas paralisações entre junho e agosto, que afetaram o funcionamento dos transportes no período de férias, uma nova onda atinge o Reino Unido desde o início do mês, sem sinais de arrefecer nas próximas semanas, de festas de fim de ano. A cada dia, uma categoria diferente promete cruzar os braços.
Agora, porém, a interrupção de serviços vai muito além de estações de trens e aeroportos. Nesta quinta (15), o sindicato britânico dos profissionais de enfermagem, o Royal College of Nursing, organiza uma greve de 12 horas com previsão de adesão de até 100 mil trabalhadores na Inglaterra, na Irlanda do Norte e no País de Gales. Será a primeira da história do colegiado, fundado em 1916 --a segunda já foi anunciada para terça (20).
A categoria se junta aos 115 mil funcionários dos correios e 40 mil do setor ferroviário, que programaram diversos atos ao longo do mês. Além deles, aderiram trabalhadores do controle de fronteiras em aeroportos e agentes de segurança do Eurostar, linha de trem que liga o Reino Unido à Europa continental. Na semana que vem, operadores de ambulância ameaçam interromper os trabalhos.
A previsão dos sindicatos é que, neste mês, na soma de cada funcionário parado, haja mais de 1 milhão de dias perdidos por greves, o maior desde julho de 1989. Em outubro, a cifra acumulou 417 mil dias --a maior desde 2011.
As greves que atingem o setor público estão sendo convocadas como forma de pressionar o governo por reajustes salariais que superem a inflação, medida em 11,1% em outubro, recorde em mais de 40 anos. O sindicato dos trabalhadores da enfermagem pede por 5% acima da inflação.
O primeiro-ministro, Rishi Sunak, do Partido Conservador, argumenta que não há condições de dar aumentos acima da inflação para o setor público, com a justificativa de que isso poderia resultar em mais pressão sobre a alta de preços. Para compensar a interrupção dos serviços essenciais, o governo considera escalar membros das Forças Armadas para, por exemplo, dirigir ambulâncias.
Nesta terça (13), após uma última tentativa de acordo que pudesse cancelar a greve da enfermagem, a líder do sindicato chamou a posição do governo de beligerante. "Pedi várias vezes para discutir o salário e todas as vezes voltávamos ao mesmo ponto -que não havia dinheiro extra na mesa e que eles não discutiriam o tema. Eles fecharam os livros e foram embora", disse Pat Cullen, do Royal College of Nursing. A categoria promete manter a atividade em unidades essenciais, como terapia intensiva e oncologia.
O líder da oposição, o trabalhista Keir Starmer, classificou a greve da enfermagem como uma vergonha para o governo. "Tudo o que o primeiro-ministro tem que fazer para impedir isso é abrir as portas e discutir o salário com eles. Em vez de mostrar liderança, ele está brincando com a saúde das pessoas", disse, nesta quarta, no Parlamento.
Susan Milner, professora de política europeia e sociedade da Universidade de Bath, diz à reportagem que o momento vê um endurecimento das posições. "Com o governo adotando uma recusa geral, é provável que os movimentos de greve aumentem. Eles não devem desaparecer da noite para o dia."
Pesquisadora de organizações trabalhistas, Milner diz que, diferentemente de agora, as greves registradas nas últimas décadas tiveram picos pontuais, limitados a poucos setores por vez. "O que temos agora é um sentimento de que o setor público é um lugar de descontentamento, porque ofertas salariais são muito abaixo da inflação e da progressão média do setor privado", afirma. "É algo generalizado, o que é novo."
A atual onda de greves difere também dos movimentos do fim dos anos 1970 que entraram para a história do Reino Unido com o "inverno dos descontentes" --em setembro de 1979, o número de dias perdidos por paralisações passou de 11 milhões. Com o endurecimento da legislação promovido pela então primeira-ministra Margaret Thatcher, ficou mais difícil para um sindicato convocar uma greve. "Mas organizações, como a dos ferroviários, se adaptaram e aprenderam como agir dentro do sistema", explica Milner.
Talvez essa expertise ajude a explicar por que os britânicos se dividem na hora de apoiar paralisações dos ferroviários, enquanto se colocam mais claramente ao lado dos trabalhadores da enfermagem, que param pela primeira vez, e das ambulâncias.
Segundo pesquisa YouGov dos dias 6 e 7 de dezembro, 33% dos britânicos culpavam o governo pela greve no sistema de trens, enquanto 31% miravam os sindicatos. Já em relação aos profissionais da área da saúde, a maioria (46%) pensa que o culpado pela situação seja a gestão Sunak. "Olhando de fora, os enfermeiros parecem ter a melhor chance de pressionar o governo para chegar a um acordo", diz Milner.
Entre na comunidade de notícias clicando aqui no Portal Acessa.com e saiba de tudo que acontece na Cidade, Região, Brasil e Mundo!