RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Carlos Bruno Simões, 39, ficou surpreso ao descobrir que o homem que ele denunciou por estelionato em 2008, por um golpe em uma pequena loja de Niterói, na região metropolitana do Rio, foi eleito deputado nos Estados Unidos.
"Foi um espanto, ele tem algum tipo de compulsão por mentira", disse ele à Folha de S.Paulo nesta sexta (23). O então jovem de 19 anos que comprou R$ 2.144 em roupas com dois cheques sem fundo viria a se tornar, aos 34 anos, o congressista trumpista eleito George Anthony Devolder Santos.
"Quando um outro repórter me ligou achei que era trote, nem lembrava quem era. Aí fui botar no Google e foram surgindo algumas coisas na memória. Eu lembro porque tive que pagar esse valor do meu bolso", afirma.
Na última semana, Santos, que é filho de brasileiros, tem tido a versão que criou para sua vida desmontada. Começou com uma reportagem do The New York Times na segunda (19), que levantou uma série de inconsistências em seu currículo.
Uma das lacunas é o tal processo por estelionato no Brasil, crime que o próprio Santos confessou à Polícia Civil fluminense em 2010. Ele admitiu em depoimento ter furtado e usado os cheques da bolsa de sua mãe, fazendo-se passar por um idoso do qual ela tomava conta.
Ele não calculou que o vendedor da loja que receberia o pagamento, no entanto, iria tão longe para recuperar o dinheiro. Simões, que hoje em dia é sócio de um restaurante japonês, conta ter feito "tudo que podia para achá-lo", já que teve que arcar com o prejuízo.
Ele desconfiou assim que o cliente saiu pela porta do comércio. Tentou ligar para os três números de telefone escritos no verso dos cheques, bem como ir ao endereço anotado, mas não conseguiu contato. Alguns dias depois, teve sorte.
"O namorado [de Santos] foi trocar um sapato [que recebeu de presente], provavelmente sem saber que era produto fruto de estelionato. Eu segui ele na rua, depois consegui o endereço da mãe [de Santos], fui até a casa deles. Lembro de ter ficado desesperado atrás desse cara", diz.
Simões encontrou o namorado do jovem, que trabalhava como motoboy de outra loja próxima, no Orkut, rede social mais usada até então. No seu rol de amigos, reconheceu o homem que havia se identificado como "Délio" num perfil de nome "Anthony Santos".
A casa do jovem ficava em um bairro perigoso de Niterói, ele descreve, no qual a policial civil que cuidou do caso à época disse não poder entrar sozinha. Um muro de pedra com um portão de madeira em Santa Rosa, recorda.
"Ele era pobre. Hoje mora em Long Island, que é supercaro. De onde veio esse dinheiro?", pergunta o ex-vendedor, dizendo esperar que ele seja responsabilizado pelo caso.
No processo no Tribunal de Justiça, consta uma mensagem enviada por Santos um pouco depois do ocorrido dizendo que pagaria a dívida em prestações, mas Simões diz que não se lembra disso e que nunca mais foi procurado pelo hoje político.
O americano chegou a ser indiciado pela polícia e denunciado pelo Ministério Público em 2011, mas, como nunca mais foi achado para ser pronunciado, a Justiça suspendeu o processo em dezembro de 2013, acolhendo pedido da Promotoria.
A ação pode ser retomada quando ele for encontrado ou constituir um advogado para representá-lo. "O crime não prescreveu. Se tiver um advogado que pegue o caso para indicar, estou aceitando. Quem sabe recuperar essa grana, porque não está valendo pouco", diz Simões.
Segundo o New York Times, esse período em que Santos era investigado no Brasil corresponde, em parte, à época em que o deputado eleito diz ter estudado economia e finanças no Baruch College, que não encontrou registros de sua formatura em 2010.
Até agora, o político ainda não explicou as divergências sobre seu passado e suas finanças. A reportagem tentou entrar em contato com ele pelas redes sociais, mas não teve resposta. Nesta quinta (22), ele rompeu o silêncio e prometeu que vai se pronunciar na semana que vem.
"Tenho minha história para contar e ela vai ser contada na semana que vem. Quero garantir a todos que vou abordar suas dúvidas e que continuo comprometido em entregar os resultados que prometi em minha campanha", escreveu em uma publicação no Twitter.
No dia em que a reportagem foi divulgada, ele apenas publicou uma nota atribuída ao seu advogado, Joseph Murray, que acusava o jornal: "Não surpreende que o congressista eleito George Santos tenha inimigos no New York Times que tentam sujar seu nome com essas declarações difamatórias".
Na quarta, a publicação judaica The Forward noticiou que Santos também pode ter mentido para eleitores sobre seus ancestrais judeus e ao dizer que sua avó materna teria fugido de perseguição durante a Segunda Guerra Mundial.
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