SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - No último 30 de maio a Ucrânia esteve por uma hora sem internet. Provedores russos tentaram se apoderar de circuitos locais para que o governo, as empresas e a população ficassem submissos a uma "bolha" cibernética favorável aos interesses militares de Moscou.

Os Estados Unidos conseguiram romper esse bloqueio digital por meio de canais instituídos em 2014, quando a Rússia anexou a península ucraniana da Crimeia, e os ucranianos passaram a contar com a ajuda americana para se proteger da guerra cibernética russa.

O relato sobre esse incidente de maio foi fornecido em Paris, sem maiores detalhes, por Jean-Paul Paloméros, ex-chefe do Estado-Maior da Aeronáutica francesa, um dos participantes de um podcast da France Culture, emissora pública de rádio. Os quatro especialistas discorreram sobre a criminalidade no mundo digital e a maneira pela qual, retomando a expressão de um graduado militar russo, ingressamos numa "guerra híbrida", em que a internet se juntou ao arsenal das antigas armas convencionais.

Para os ocidentais o assunto está sob a esfera da Otan, a aliança militar com 30 integrantes, comandada pelos Estados Unidos. O primeiro grande ataque cibernético ocorreu em 2007, na pequena república báltica da Estônia. Desde então a Otan promove exercícios sigilosos que simulam hackers externos.

Eles não são exclusivamente russos. Há também os chineses, que teriam hoje 80% do mercado da criminalidade digital, segundo agência francesa do ramo, e ainda os norte-coreanos e os iranianos.

O crime organizado opera sob amparo governamental nesses países, diz Frederick Douzet, professora de geopolítica da logosfera na Universidade de Paris-8. Os grupos criminosos praticam uma divisão meticulosa de tarefas, como o furto de arquivos, os contatos para a cobrança de resgate e até sites para a negociação online entre criminosos e involuntários clientes.

Detalhe curioso, sobre o qual insistiu a professora: em 2017, grupos russos divulgaram seus balanços e contatos para darem prova de habilidade no banditismo cibernético. É claro que os endereços e as identidades de seus dirigentes eram fictícios. Mas o "volume de produção" era comprovadamente real.

Não é à toa, também, que esses malfeitores se multiplicaram nos últimos seis anos a uma incrível velocidade. Só a polícia francesa investigou no ano passado 600 ataques, contra apenas 65 em 2019.

Nos últimos meses de 2022 os criminosos invadiram os arquivos da região francesa da Normandia e de um hospital público de Versalhes. Eles obviamente não buscavam resgate em dinheiro, mas demonstrar estarem ativos, sobretudo com o centro médico, cuja respeitabilidade cresceu durante o combate à Covid.

Outro indício do gigantismo está no episódio que envolveu um grupo russo com razão social conhecida por Konti. Seu diretor apoiou publicamente Vladimir Putin pela invasão da Ucrânia. Executivos ucranianos, em represália, colocaram online 60 mil documentos que provocaram o colapso da empresa, que tinha certamente uma óbvia ramificação criminosa.

O diplomata Jean-Louis Gergorin, criador de um serviço especializado na chancelaria da França, lembrou, no podcast, que uma comissão do Senado americano investigou a participação de estudantes russos em redes sociais americanas, nas quais eles se identificam como vítimas do racismo no Alabama ou supremacistas em Chicago. Mais de 160 milhões de americanos receberam essas mensagens falsas. E não tinham meios para verificar que não era possível levá-las a sério.

Por fim, uma das unanimidades do programa foi o empresário americano Elon Musk. Não por suas trapalhadas comerciais na compra do Twitter, mas em razão do projeto Starlink, usado assessoriamente na comunicação entre os militares da Ucrânia com seus superiores de Estado-Maior.

A utilidade de Musk embute uma outra curiosidade, levantada por Thomas Gomart, historiador das relações internacionais. Originariamente, a internet surgiu com a exportação de conhecimento do setor militar para as empresas civis. Agora, tratando-se do combate à cibercriminalidade, o caminho se inverteu. É a tecnologia civil que abastece o arsenal de conhecimentos militares.

Gomart diz que fora dos Estados Unidos nenhum grupo de cibersegurança possui o conhecimento acumulado pela Microsoft. A superioridade dela é tamanha que parece um tanto ingênua a articulação, dentro da União Europeia, para criar um sistema próprio de proteção contra o crime digital.

Os especialistas convidados pela France Culture não revelaram informações sobre grupos criminosos desmantelados. Qualquer curiosidade maior quebraria o sigilo e o anonimato da ação dessa nova forma de polícia internacional.

AFFAIRES ÉTRANGÈRES - CIBERATAQUES, CIBERDEFESA: AS GUERRAS DIGITAIS

Onde: Podcast disponível no site da Radio France Culture

Link: https://www.radiofrance.fr/franceculture/podcasts/affaires-etrangeres/cyberattaques-cyberdefense-les-guerres-du-numerique-8377298

Duração: 59 min.


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