SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A China constitui a maior ameaça estratégica ao Japão e à comunidade internacional, e Tóquio precisa reforçar sua diplomacia e musculatura militar para enfrentar o desafio ao lado dos Estados Unidos, rivais de Pequim na Guerra Fria 2.0. As afirmações são do chanceler do Japão, Yoshimasa Hayashi, que chega a Brasília neste domingo (8) para dois dias de visita, em que deve se encontrar com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Em entrevista por escrito à Folha, o chanceler diz que a nova Estratégia de Segurança Nacional japonesa, que pretende dobrar o atual 1% do PIB gasto com defesa em cinco anos, é uma imposição da realidade geopolítica.

Após um período de afastamento, dado o desengajamento de Donald Trump da Ásia, Hayashi reafirma que "a aliança Japão-EUA continua a ser o fundamento da política externa e de segurança nacional" de seu país. Com efeito, sob Joe Biden, os laços foram reforçados no Quad, grupo integrado também por Índia e Austrália.

No gabinete de Fumio Kishida desde novembro de 2021, Hayashi diz que caberá ao povo votar sobre a mudança acerca da natureza das Forças Armadas --a Constituição de 1947 as define como defensivas. O tema está em discussão na Dieta (Parlamento) e é bandeira de seu Partido Liberal Democrático.

Em relação ao Brasil, país com a maior comunidade nipônica fora do Japão, a prioridade é o incremento do comércio, com foco em desburocratização aduaneira.

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Folha - Desde o auge em 2011, a balança comercial entre Japão e Brasil tem estado sujeita a flutuações. Quais as expectativas em relação ao novo governo?

Yoshimasa Hayashi - Japão e Brasil têm desenvolvido relações de forma complementar, por exemplo no investimento das empresas japonesas na exploração e comércio de recursos naturais e no setor de manufatura. Gostaria de aprofundar a cooperação com o novo governo e de desenvolver ainda mais as relações bilaterais.

A Covid e a agressão da Rússia na Ucrânia têm levado ao aumento do interesse nas cadeias de abastecimento. Há várias oportunidades novas de negócios. Por exemplo, gostaria de fortalecer as relações econômicas através da utilização da abundante energia renovável do Brasil e do uso de dados e tecnologia digital, fundamentais para eliminar as disparidades em assistência médica.

O Brasil está em processo de desenvolvimento do 5G, e a tecnologia japonesa tem pontos fortes no desenvolvimento de infraestrutura segura e economicamente eficiente.

Por outro lado, o complexo sistema tributário e a morosidade dos trâmites alfandegários são apontados como desafios enfrentados pelas empresas japonesas que investem no Brasil. Espero que o novo governo faça progressos na resolução dessas questões.

Folha - Em resposta à crescente influência da China e à ameaça da Coreia do Norte, o Japão anunciou recentemente um aumento significativo nos gastos militares. Como o país irá desenvolver sua política de segurança , incluindo a revisão da Constituição?

Yoshimasa Hayashi - No momento em que enfrentamos mudanças que podem marcar uma época, os alicerces da ordem internacional se abalam e a comunidade global está em uma encruzilhada histórica.

Como o Japão se encontra em uma situação de segurança mais severa e complexa desde o fim da Segunda Guerra, é cada vez mais importante manter e fortalecer uma ordem internacional livre e aberta baseada no Estado de Direito. Em resposta a essa situação, o Japão formulou uma nova Estratégia de Segurança Nacional, que salienta a diplomacia como primeiro pilar dentre os principais elementos do poder nacional visto de forma abrangente para a segurança.

O Japão implementará uma diplomacia robusta a fim de prevenir crises antecipadamente e de criar ativamente um ambiente internacional pacífico e estável. Trabalhará para melhorar o ambiente de segurança por meio da implementação consistente de abordagens estratégicas, incluindo o fortalecimento da aliança Japão-EUA, a cooperação com cada país da comunidade internacional --incluindo uma maior promoção de medidas para a realização de uma região Indo-Pacífico livre e aberta--, e a diplomacia com países e regiões vizinhos.

Por fim, em relação à emenda à Constituição, o Parlamento apresentará uma proposta e a população decidirá por voto, no contexto de um debate nacional profundo.

Folha - À luz das recentes tendências relativas à China, o Japão continuará a ser apenas um aliado dos EUA ou buscará posição mais independente?

Yoshimasa Hayashi - A aliança Japão-EUA continua a ser o fundamento da política externa e de segurança nacional do Japão. As atuais posturas externas, atividades militares e outras da China têm se tornado uma séria preocupação para o Japão e a comunidade internacional, representando o maior desafio estratégico, sem precedentes, à garantia da paz e segurança do Japão e do mundo.

O Japão deve responder com seu poder nacional e em cooperação com aliados para fortalecer uma ordem baseada no Estado de Direito. Estabeleceremos uma relação construtiva e estável com a China através da comunicação em vários níveis, na qual o Japão continuará a afirmar sua posição e a apelar para ações responsáveis, enquanto mantém o diálogo. A estabilidade das relações entre os EUA e a China é extremamente importante para a comunidade internacional.

A aliança Japão-EUA é relevante para não permitir a tentativa de alteração unilateral pela força do status quo na região do Indo-Pacífico.

Folha - Enquanto Pequim continua revisando a política de Covid zero, as relações econômicas Japão-China são mais importantes do que nunca. Por outro lado, acirrou-se a competição entre EUA e China no campo econômico. Qual cenário o governo japonês vê em relação a Pequim?

Yoshimasa Hayashi - As relações entre Japão e China têm potencial de cooperação em várias áreas e, ao mesmo tempo, enfrentam muitos desafios e preocupações. Contudo, tanto Japão quanto China têm importantes responsabilidades com a paz e a prosperidade da região e internacional.

A China é o maior parceiro comercial do Japão e o número de empresas japonesas atuando na China ultrapassa 30 mil. O diálogo e a cooperação prática devem ser almejados de forma apropriada, levando em consideração os interesses nacionais do Japão.

É importante que a China, como potência econômica que se tornou, assuma firmemente suas responsabilidades. O Japão apontou a importância de a China garantir um ambiente de negócios transparente, previsível e justo, e as atividades comerciais legítimas de empresas japonesas. E instou a abolir restrições à importação de produtos alimentares japoneses.


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