WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) - Em um gesto inédito, o governo dos Emirados Árabes Unidos anunciou no início deste mês que vai incluir a história do Holocausto em seu currículo escolar. É raro que países no Oriente Médio ensinem --ou mesmo reconheçam-- que a Alemanha nazista matou 6 milhões de judeus na Segunda Guerra (1939-1945). Alguns deles trabalham inclusive para questionar esse fato inquestionável, caso de Irã e outros.

O anúncio foi feito no último dia 5 pela embaixada dos Emirados em Washington. Em uma rede social, o governo situou essa excepcional decisão no contexto amplo de sua aproximação recente com Israel.

Desde sua fundação, em 1948, Israel é o principal antagonista de regimes da região. Sua criação envolveu guerras com os vizinhos e a expulsão e a fuga de mais de 700 mil palestinos. Conflitos foram travados desde então, levando à ocupação de territórios como a Cisjordânia, as colinas de Golã e a faixa de Gaza.

Ainda que Israel tenha assinado tratados de paz com o Egito em 1979 e com a Jordânia em 1994, suas autoridades seguem isoladas. O cenário começou a mudar em 2020, quando os Emirados e o Bahrein estabeleceram os chamados Acordos de Abraão, normalizando suas relações com o antigo rival.

Outros países, como o Marrocos e o Sudão, seguiram o exemplo. A aproximação foi bancada pelo governo do então presidente dos EUA Donald Trump e mantida por seu sucessor, o democrata Joe Biden.

A decisão dos Emirados de reconhecer e ensinar o Holocausto vai além dos gestos simbólicos da diplomacia. Parece sinalizar também um projeto de longo prazo, que começa a combater a inimizade pela raiz, desarticulando na infância um negacionismo ainda forte.

No passado, os Emirados, como outras nações da região, não apenas ignoraram o Holocausto como apagaram Israel de seus mapas. Os ares, no entanto, estão mudando. Um eloquente exemplo é a abertura de uma mostra sobre o Holocausto em Dubai em meados de 2021.

Ahmed al-Mansouri, fundador do museu Crossroads of Civilizations (encruzilhada de civilizações), conta que decidiu montar a exposição depois de notar o crescimento do antissemitismo nos Estados Unidos e na Europa. "Pensava que eles sabiam mais sobre o Holocausto do que a gente e que, por isso, aquilo nunca ia se repetir. Mas comecei a ver que eu estava equivocado."

Mansouri diz que, quando abriu a mostra, em 2021, ela era a princípio temporária. "Acordei no dia seguinte e, ao ver o impacto, decidi que seria permanente." A exposição narra a história do nazismo e a perseguição aos judeus e também inclui os árabes e muçulmanos que salvaram alguns deles do extermínio. Desde a criação do museu, sobreviventes do Holocausto têm ido aos Emirados para contar suas histórias.

Não há nenhuma informação oficial sobre como o país árabe vai incluir o Holocausto em seu currículo, para além do breve anúncio da embaixada. Não se sabe ainda, por exemplo, se a história do genocídio de judeus vai integrar apenas o ensino oficial ou se vai, também, valer para as escolas particulares. A imensa maioria dos moradores dos Emirados --cerca de 90%-- é estrangeira.

Segundo a mídia israelense, o país está trabalhando com o Yad Vashem (memorial oficial do Holocausto, em Jerusalém) no desenvolvimento do novo currículo e coopera também com o IMPACT-se (Instituto para Monitoramento da Paz e Tolerância Cultural na Educação Escolar), que tem sedes em Londres e Tel Aviv.

A participação de instituições com laços israelenses na reforma curricular causa desconforto nos Emirados, dado que --a despeito dos gestos do governo-- a oposição a Israel segue forte por ali. De acordo com uma pesquisa publicada em julho pelo Washington Institute for Near East Policy, 71% das pessoas no país têm uma visão negativa dos Acordos de Abraão.

Para Felipe Arruda, diretor do Museu Judaico de São Paulo, o ensino do Holocausto é fundamental também no contexto brasileiro. Em parte, para que a memória desse evento trágico siga viva e seus desdobramentos estejam claros. "O passado é parte do presente", afirma ele. "É algo universal. O nazismo e o Holocausto não são problemas judaicos, eles dizem respeito a todos, sobretudo neste momento em que vemos a ascensão de governos de extrema direita inspirados em ideais nazistas", diz.

Falar sobre o Holocausto, diz, é uma maneira de humanizar --em contraposição à desumanização que levou a esse genocídio. "Qualquer escola deve cultivar uma ética da alteridade, da valorização do outro."

Entre as estratégias do Museu Judaico de São Paulo está a de relacionar, nas mostras, o Holocausto a casos de intolerância no contexto brasileiro. Em algumas ocasiões, convida sobreviventes para falar com estudantes. O museu planeja uma série de atividades para 27 de janeiro, Dia da Lembrança do Holocausto, entre as quais um teatro de sombras, um sarau e o lançamento do livro de um sobrevivente do extermínio.


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