SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - As denúncias de uso excessivo de força da polícia do Peru contra manifestantes ganharam novo fôlego no último fim de semana depois que quase 200 pessoas foram presas durante atos na Universidade San Marcos.
A polícia entrou no campus no sábado (21) derrubando o portão com um veículo blindado. Centenas de pessoas de regiões do sul do país que foram a Lima para se juntar aos protestos contra o governo de Dina Boluarte estavam abrigadas na universidade. Além dos blindados, os agentes usaram bombas de gás lacrimogêneo e um helicóptero na operação para desocupar a instituição.
Ao menos 193 pessoas foram presas, das quais 192 foram indiciadas por crimes como danos contra o patrimônio e roubo qualificado. Há ainda quatro detidos que responderão por terrorismo. Ainda não está claro o que exatamente foi considerado indício de terrorismo, mas membros do governo peruano têm dito que a organização dos protestos é obra de extremistas e guerrilheiros.
Até a noite de domingo (22), quase todos os detidos foram libertados para responder pelas acusações em liberdade; a exceção foi uma pessoa que teria um mandado de prisão prévio emitido contra si. Nas mais de 30 horas em que estiveram detidos, porém, alguns dos manifestantes ficaram incomunicáveis, o que levou dezenas de familiares a se reunirem em frente à unidade da Direção contra o Terrorismo (Dircote) em Lima em busca de informações e fazendo denúncias de maus-tratos.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) se manifestou sobre o caso, expressando preocupação com a operação policial seguida de detenções em massa. A entidade instou o Peru a prestar contas das circunstâncias dos fatos, garantir a integridade de todos os detidos e respeitar os devidos processos legais nos casos de responsabilização criminal.
Outra crítica foi de que nem o Ministério Público nem a Defensoria do Povo estavam presentes na operação, o que foi visto como uma distorção do processo de investigação dos supostos crimes e uma possível violação dos direitos dos manifestantes, entre os quais estavam idosos e indígenas. E tudo isso se dá em meio ao estado de emergência renovado há pouco mais de uma semana que prevê, entre outros pontos, a participação do Exército na resposta aos protestos.
A prisão violenta das quase 200 pessoas nas dependências da universidade também gerou um racha interno. A reitora Jeri Ramón, cujo pedido de restauração da ordem foi o gatilho para o início da operação, agora é alvo de um pedido de destituição assinado por parte do corpo docente da instituição.
Os professores exigem, de acordo com o jornal peruano La República, o fim da "matança de peruanos com a brutal repressão em andamento" e pedem que Ramón seja responsabilizada pelos maus-tratos sofridos pelos manifestantes abrigados na San Marcos. "As imagens mostram um contingente extraordinariamente grande de tropas de choque entrando com tanques para depois agredir os alunos, tratando-os como criminosos e obrigando-os a deitar de bruços no chão. Isso é simplesmente inadmissível, condenável, vergonhoso", diz a carta aberta dos docentes.
Institucionalmente, a universidade emitiu um comunicado também denunciando abuso de autoridade por parte dos policiais. O texto alega que a San Marcos acionou os agentes apenas para liberar as portas do campus, que estavam tomadas por manifestantes, mas o que se seguiu é descrito no comunicado como "evidente uso de força" e "intervenção arbitrária".
A instituição diz ainda que mobilizou uma equipe de advogados para prestar assistência a alunos detidos, bem como atendimento médico aos feridos e acompanhamento psicológico.
As manifestações no Peru já deixaram mais de 50 mortos. Os atos são convocados em sua maioria por apoiadores do ex-líder Pedro Castillo, deposto e preso no dia 7 de dezembro após tentar aplicar um autogolpe e dissolver o Parlamento. O Poder Legislativo do país, controlado pela direita, buscava destituí-lo por um suposto caso de corrupção.
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