BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O embaixador do Peru no Brasil, Rómulo Acurio, vê como única saída "democrática e viável" para a crise política estrutural de seu país a realização de eleições antecipadas. Em entrevista à reportagem, o diplomata pede que o Brasil e demais países da região apoiem a convocação de um pleito presidencial e atuem para impedir que floresçam o que ele chama de soluções autoritárias.

"O Peru precisa do apoio da comunidade internacional e dos países vizinhos para avançar em direção a essa única saída democrática e viável: eleições gerais o mais cedo possível", diz.

A crise no país ganhou o status de convulsão depois da destituição e prisão de Pedro Castillo, que tentou aplicar um golpe de Estado em 7 de dezembro. A nova presidente, Dina Boluarte, propôs antecipar o pleito geral de 2026 para abril de 2024, mas a medida ainda não foi confirmada pelo Parlamento -e não foi suficiente para conter a onda de violentos protestos que atingiu as ruas peruanas.

Até aqui, são mais de 50 mortos nas manifestações, que pedem a dissolução do Legislativo e a saída de Dina, chamada de traidora. Nesta semana, ela voltou a pedir uma trégua nos atos e exortou os congressistas a aprovar o adiantamento da eleição. De acordo com Acurio, isso é "materialmente possível", mas a decisão cabe ao Parlamento.

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PERGUNTA - Há perspectiva de solução da crise?

RÓMULO ACURIO - Nesse momento há duas possíveis saídas. A primeira é autoritária e inconstitucional, implicaria soluções que aumentariam a polarização e a violência. Por outro lado, há a saída democrática e pacífica: a organização de eleições o mais breve possível.

Parte dos manifestantes defende a renúncia de Dina. É possível distinguir três grupos de manifestantes. Um de peruanos que protestam contra a exclusão social, cultural e econômica e pelo fato de não terem sido beneficiados pelo crescimento econômico dos últimos anos.

Um segundo grupo tem propósitos políticos, como a renúncia da presidente, a dissolução do Congresso e a convocação de uma Constituinte. Essas três propostas não são viáveis politicamente, porque requerem processos complexos, que aumentariam a polarização. Há ainda um terceiro grupo, que está buscando uma saída autoritária. Nele estão também envolvidas organizações informais ou ilegais, que querem manter seus negócios fora do controle do Estado.

P - O governo já propôs antecipar as eleições para abril de 2024. Há possibilidade de novo adiantamento, ainda para 2023?

RA - Entendo que é materialmente possível, mas é uma decisão que só o Congresso pode tomar. A Casa se reunirá em 15 de fevereiro para avaliar.

P - O governo Dina recebeu muitas críticas pela repressão e violência de policiais. Houve abusos?

RA - A morte de mais de 50 peruanos é uma tragédia. O Estado e o governo sabem que têm a obrigação de investigar e sancionar severamente todos os abusos e excessos que podem ter sido cometidos. É o compromisso que têm com os cidadãos e a comunidade internacional.

P - O governo demorou em admitir esses abusos. Foi um erro?

RA - Foi algo reconhecido desde o início, e hoje há plena consciência de que o Peru tem o dever de dar garantias aos peruanos e à comunidade internacional de que respeitará os direitos humanos nos atos e punirá severamente quem cometer abusos.

P - Uma pesquisa sinalizou que Dina tem 71% de reprovação. O governo tem um problema de legitimidade? É possível permanecer no poder com esse nível de rejeição?

RA - Pode haver um problema de popularidade, mas não de legitimidade. Dina assumiu porque foi obrigada, depois do golpe de Estado de Castillo. Ela já anunciou que vai deixar o poder em abril de 2024 ou antes, assim que o novo presidente for eleito. O término do seu mandato está claramente estabelecido, é um governo de transição.

P - Depois da destituição de Castillo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) declarou que o processo foi constitucional. Como avalia a posição do Brasil?

RA - Respeitamos a posição adotada pelo governo do Brasil e pelo presidente Lula. Apreciamos e agradecemos que ele tenha reconhecido a transição constitucional que ocorreu e sua vontade de apoiar a única saída viável e democrática, que são as eleições presidenciais o mais cedo possível. Essa é a posição que o Brasil respalda junto ao Peru e à comunidade internacional.

P - O que o Brasil e os demais países da região podem fazer, na visão do governo peruano?

RA - O Peru precisa do apoio da comunidade internacional e dos países vizinhos para avançar em direção a essa única saída democrática e viável. Os peruanos e o Peru precisam do apoio dos governos e movimentos da esquerda democrática da América Latina para avançar em direção a essa solução.

Precisamos também que denunciem e combatam as soluções autoritárias que estão sendo consideradas por diferentes atores. O Peru precisa que todos os governos da América Latina -qualquer que seja sua preferência política- respaldem a saída democrática das eleições e da alternância [de poder] no país.

P - Que fóruns internacionais poderiam tratar da crise?

RA - O Peru quer contribuir na reconstrução da integração sul-americana e quer fazer isso em bases pragmáticas e de respeito à diversidade política. Acredita que há prioridades em matéria de cooperação sanitária, energética, de segurança alimentar e certamente em matéria ambiental e de desenvolvimento sustentável da Amazônia, nos quais é indispensável trabalhar na Unasul [União de Nações Sul-Americanas] ou no que se constitua em nível sul-americano; e, claro, na OTCA [Organização do Tratado de Cooperação Amazônica]. Nesse sentido, o Peru espera muito da cooperação estreita com o Brasil para a reconstrução, na diversidade, da integração sul-americana.

P - Não existe o risco de a Unasul se converter numa espécia de clube de governos de esquerda?

RA - O Peru apoia plenamente a reconstrução da integração sul-americana e respalda a liderança do Brasil e do presidente Lula nesse sentido. O Peru foi um ator central na construção da Unasul há duas décadas e quer voltar a sê-lo. Nos parece, no entanto, que para isso é preciso aprender com as lições do passado.

Isso implica, por um lado, estabelecer uma agenda pragmática, que interesse a todos os governos, qualquer que seja sua tendência. Um esquema de integração que não seja burocrático e que pense a longo prazo, que contemple e respeite a inevitável alternância política que ocorrerá em diferentes países.

P - Em comunicado recente, Lula e o argentino Alberto Fernández se disseram preocupados com a prisão preventiva de Castillo por um longo período. O governo reconhece que isso é um problema?

RA - A prisão preventiva do ex-presidente é uma decisão autônoma, estabelecida pelo Ministério Público, diante das acusações de rebeldia e corrupção apresentadas contra ele. O Executivo não tem interferência na administração do Judiciário nem nos termos da prisão preventiva que Castillo cumpre. Ele está em instalações penitenciárias que garantem o pleno respeito de seus direitos de cidadão e de sua dignidade.

P - Parte da história de instabilidade política no Peru envolve o escândalo da Odebrecht e a Lava Jato. O Brasil tem alguma responsabilidade por esse processo de crise quase permanente?

RA - A instabilidade peruana é paradoxal, porque ocorre num período de democracia, crescimento e estabilidade macroeconômica. É evidente que o período da Lava Jato teve um impacto muito grande no Peru. Deixou muito visível o nível de corrupção empresarial e estatal a que se chegou no país. Por outro lado, fortaleceu as instituições de luta contra a corrupção, em particular o Ministério Público.

Isso explica porque no Peru, diferentemente de outros países, o Ministério Público tenha sido capaz de processar e em alguns casos prender vários ex-presidentes. Essa situação é paradoxal porque implica ao mesmo tempo alto nível de corrupção com alto nível de controle estatal.

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RAIO-X

RÓMULO ACURIO, 57 Formado em relações internacionais pela Escola Diplomática do Peru, possui mestrado em filosofia pela Universidade de Paris 1 - Sorbonne e em administração pública pela Escola Kennedy da Universidade Harvard. Diplomata de carreira, serviu em Paris, Roma, Viena, Dubai e Santiago e é embaixador no Brasil desde 2022.


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