SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Se todos que se registraram para votar comparecessem no dia da eleição, em menos de um mês 93,5 milhões de pessoas --duas vezes a população do estado de São Paulo-- iriam às urnas escolher um novo presidente no maior país da África, a Nigéria. Mas não tem sido assim.
Historicamente, a participação eleitoral ali é colocada em segundo plano, seja pela violência, pela dificuldade para acessar locais de votação ou pela crença de que não há lisura no processo. No pleito de 2019, só 36% dos inscritos votaram --o voto no país não é obrigatório.
Para as eleições marcadas para 25 de fevereiro, dois fatores despertam a esperança de que o cenário mude. Um está relacionado à tecnologia, e o outro, à demografia da Nigéria, hoje a sexta nação mais populosa do mundo e provavelmente o terceiro mais populoso no fim do século.
O órgão eleitoral nigeriano, o Inec, está implementando um leitor de biometria que identifica as digitais dos eleitores para excluir fraudes, algo semelhante ao que existe no Brasil. Com o novo sistema, chamado de Bvas, os resultados também serão disponibilizados online logo após o fechamento das urnas.
A ideia, afirma Amaka Anku, analista para África na consultoria Eurasia Group, é cortar as raízes da manipulação eleitoral, que costuma acontecer quando cédulas de votos saem dos centros de votação.
Ela afirma que a adoção do Bvas é um dos fatores que fazem com que os resultados sejam tão incertos, "porque os truques que partidos dominantes costumam usar serão muito difíceis de serem aplicados".
De maneira inédita desde 1999, quando a última ditadura da história do país foi encerrada, a Nigéria tem três, não dois, candidatos de destaque à Presidência --há, no total, 18 postulantes ao cargo.
Os que se destacam são Bola Tinubu, 70, do governista Congresso dos Progressistas, Atiku Abukabar, 76, do oposicionista Partido Democrático do Povo, e Peter Obi, 61, do pouco conhecido Partido Trabalhista. Não há projeção clara de quem será o vencedor, mas Obi, da terceira via, vem chamando a atenção.
Mas à medida que restringe a manipulação dos resultados, o sistema pode virar um gatilho para que siglas maiores invistam na forma mais tradicional de clientelismo, diz Uche Igwe, pesquisador visitante da London School of Economics. "O dinheiro será crucial para a compra de votos, e, neste caso, partidos dominantes, com controle da máquina pública, têm maior capacidade de exercer esse tipo de prática."
É nesse sentido que o segundo fator-chave entra em cena. Para analistas, Obi se destaca por ser o único cristão na linha de frente da disputa, além de ter força entre uma fatia mais jovem do eleitorado.
Em um país com média de idade de 17 anos, a juventude se tornou a parcela mais importante do pleito e tem expressado desejo de mudança. Nas redes sociais, crescem as mensagens denotando a vontade de tirar a política das mãos das elites tradicionais, até aqui incapazes de combater as violências armada e terrorista e a acelerada crise econômica --33% da população estava desempregada em 2020.
Não à toa, estudantes e pessoas de 18 a 34 anos são, respectivamente, 28% e 84% dos cerca de 10 milhões de novos eleitores registrados. Já na soma final, dos 93,5 milhões de eleitores, essa faixa etária responde por quase 40%, seguida por nigerianos de 35 a 49 anos (36%).
Igwe, da London School of Economics, lembra que essa espécie de despertar político dos mais jovens está diretamente relacionada a protestos contra a violência policial em 2019, apelidados de #EndSars, referência a um esquadrão da polícia nigeriano conhecido por cometer abusos de poder. "A juventude entendeu que, se querem uma mudança real e duradoura, era hora de participar da política."
A revolta social daquele ano tornou mais expressiva a insatisfação com o domínio dos baby boomers --pessoas nascidas após a Segunda Guerra até metade dos anos 1960-- na política nigeriana, lembra Anku. Afinal, todos os presidentes desde 1999 foram ex-militares dessa geração ou figuras escolhidas por eles.
Esses líderes se dedicaram a amenizar conflitos étnicos, algo que segue um problema expressivo. Mas outros desafios batem à porta. Além da alta do desemprego, o PIB --hoje US$ 440 bilhões-- vem caindo desde 2014, em movimento que ocorre em todo o continente.
Pesquisa recente do respeitado instituto Afrobarometer mostrou que a Nigéria foi o segundo país da África, atrás apenas de Gâmbia, onde a pobreza vivida --algo como a frequência com que cidadãos passam por necessidades básicas-- mais cresceu de 2019 a 2021 em comparação com 2016 a 2018.
O problema tende a se intensificar com o "boom" populacional. Caso confirmadas as projeções da ONU, a população nigeriana, hoje cerca de 223,8 milhões, deve dobrar na década de 2060. Entre outros aspectos, esse cenário expressa uma alta taxa de fecundidade --5 filhos por mulher, enquanto a média global é 2,3.
E a população cresce sem que sejam assegurados indicadores de qualidade de vida: a Nigéria tem a maior mortalidade infantil do mundo, com 70,6 mortos a cada mil nascimentos, e a segunda menor expectativa de vida: 53,9 anos, ainda de acordo com as Nações Unidas.
Para Anku, natural do estado de Enugu, no sul do país, a soma desses fatores fará dessas as eleições mais transparentes da história recente da Nigéria. Para Igwe, que vive na capital Abuja, além disso, esse é o pleito mais importante em muito tempo.
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