SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A União Europeia planeja aumentar seus esforços para conseguir financiar a reconstrução da Ucrânia utilizando ativos congelados russos, demanda ucraniana que vem sendo debatida desde o ano passado, mas é juridicamente complexa e pouco efetiva do ponto de vista financeiro.

Em cúpula entre o bloco europeu e a Ucrânia, nesta sexta (3), em Kiev, a UE também afirmou que reitera o apoio à entrada do país do leste do continente no grupo.

"A UE intensificará o trabalho para usar ativos congelados da Rússia para apoiar a reconstrução da Ucrânia e para fins de reparação, em acordo com a legislação Internacional e da União Europeia", afirmam o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, em comunicado conjunto no evento.

A intenção, no entanto, não foi detalhada no documento. Também não há informações sobre os procedimentos necessários para tal operação, tanto para os recursos do Estado bloqueados do banco central russo como ativos privados de oligarcas, ou qual é a viabilidade jurídica para isso, algo que limita os avanços europeus nesse sentido.

No caso dos ativos privados, embora o bloco tenha base legal para congelá-los sob o Tratado de Lisboa (que reformou a UE em 2009), ele não pode apreender ou confiscar recursos particulares a não ser que sejam resultado de atividade criminosa -a mera associação com o Estado russo e com Putin, causa de boa parte das sanções, não seria adequada.

Além disso, vários países do grupo têm pactos de investimento bilaterais com Moscou, o que protege os ativos privados atuais mesmo que os acordos sejam rompidos, segundo o think tank Centro para Reforma Europeia, que também aponta a necessidade de mudanças constitucionais em nações como a Alemanha para que os recursos sejam direcionados a Kiev.

Do ponto de vista dos ativos do banco central russo, ainda segundo o think tank, o caminho seria mais facilmente visto como legítimo. Primeiro, porque há precedente, embora em situação diferente, como no caso do confisco das reservas em moeda estrangeira do Iraque pelos Estados Unidos, direcionadas para reconstrução do país do Oriente Médio após a derrota de Saddam Hussein, em 2003.

Contribuiria também um eventual entendimento da Corte Internacional de Justiça de que a Rússia deveria reparar a Ucrânia pela guerra. A recusa em pagar as compensações poderia ser usado como argumento para o confisco e o aproximaria da legalidade.

Mesmo nesses casos, a medida é sensível politicamente e poderia ter implicações sérias do ponto de vista econômico. De um lado, a União Europeia abriria brecha para que outros países fizessem o mesmo, inclusive com ativos europeus alocados fora do continente. De outro, poderia indicar à comunidade internacional desrespeito do bloco às leis internacionais.

A discussão também acontece nos Estados Unidos, onde autoridades têm sido bastante cautelosas em sugerir o confisco de recursos russos. Desencorajar outros países a manter suas reservas em dólar e em instituições americanas e mesmo a ilegalidade da medida segundo as leis do país estão entre as possíveis consequências indicadas de uma eventual apreensão desses bens.

Outro problema sugerido pelo think tank europeu é menos complexo e mais objetivo: o valor do total dos recursos confiscados (pela UE e pelos Estados Unidos), mesmo aplicados, ficaria aquém do necessário estimado para reparar a Ucrânia.

Estimativas do fim do ano passado feitas pela própria União Europeia indicam que os danos causados à Ucrânia chegavam a EUR 600 bilhões à época, enquanto o montante de recursos congelados é de EUR 319 bilhões (300 bi do Estado russo, 19 bi de oligarcas aliados do presidente Vladimir Putin), pouco mais da metade do valor necessário.

Nesta sexta (3), Washington anunciou mais US$ 2,2 bilhões em ajuda militar a Kiev. O novo pacote inclui a GLSDB (sigla em inglês para bomba de pequeno diâmetro lançada do solo), nova arma desenvolvida pela Boeing americana e pela Saab sueca e que expande o alcance das armas ucranianas às regiões do país ilegalmente anexadas pela Rússia, incluindo a Crimeia.

A França e a Itália também anunciaram o envio de sistemas de defesa antiaérea de médio alcance SAMP/T, que pode rastrear vários alvos ao mesmo tempo e derrubar dez ao mesmo tempo, segundo a agência de notícias Reuters.

A visita das autoridades europeias a Kiev e a cúpula organizada refletem como o bloco aprofundou seu envolvimento no conflito nos últimos dias, embora ainda reticente em alguns casos como do confisco de ativos.

Até o aniversário de um ano da guerra, no próximo dia 24, um novo pacote de sanções contra Moscou deve ser detalhado e posto em prática. Na semana passada a Alemanha anunciou o envio de tanques para Kiev e autorizou outros países que operam seus blindados a fazer o mesmo.

Nesta quinta (2), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) comentou o papel das lideranças europeias no conflito e afirmou que "mesmo sem querer", a União Europeia está "dentro da guerra". O mandatário brasileiro também voltou a falar sobre sua proposta de criar um fórum de países neutros para mediar o conflito e negociar um acordo de paz.


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