SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O dia 24 de fevereiro entrou para a história em 2022, quando a Rússia, ao invadir a Ucrânia, iniciou o maior conflito na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. Mas a data que ficou na memória de um grupo de habitantes de Berlim foi 27 de fevereiro, três dias depois.
Foi então que um enorme grupo de refugiados ucranianos começou a desembarcar na principal estação de trem da cidade, e moradores locais, organizando-se no Telegram, decidiram ajudá-los, no que depois se tornaria a organização Berlin Arrival Support.
Voluntária do grupo, a americana Marielle Tierney, 46, diz que soube da iniciativa por meio da mãe de um colega de escola de seus filhos. Naquele momento, eles não eram mais do que "15 pessoas distribuindo garrafas d'água e sanduíches", conta ela, que mora na Alemanha desde 2015.
Aos poucos, porém, centenas de voluntários começaram a surgir no local para ajudar. No início da guerra, Berlim se tornou a principal porta de entrada dos ucranianos para o resto da Europa Ocidental --na terceira semana do conflito, cerca de 7,5 mil deles desembarcavam na cidade diariamente.
Diante da demora das autoridades para lidar com o volume de refugiados, os voluntários começaram a montar estandes para acomodar as necessidades dos recém-chegados.
Tierney conta que havia guichês de informação com intérpretes, postos de distribuição de comida, itens de higiene e testes grátis de Covid. Um espaço infantil foi criado para garantir a segurança das crianças. Até uma estação de pets eles tinham, disponibilizando pacotes de ração, brinquedos, coleiras e caixas de areia para aqueles que tinham trazido seus animais de estimação ao fugir.
A maior parte dessa estrutura foi sendo desmontada à medida que o fluxo de refugiados diminuía. "Basicamente, sobramos nós e a Cruz Vermelha", diz Tierney, acrescentando que o número de voluntários também encolheu significativamente. Ela calcula que hoje a equipe do Berlin Arrival Support conte com cerca de 50 membros fixos, a maioria deles de nacionalidade alemã, ucraniana e polonesa.
Também o trabalho que eles realizam mudou drasticamente com a evolução da guerra. Uma das tarefas é amparar os refugiados que continuaram na capital alemã, cerca de 85 mil segundo dados de dezembro. A organização os ajuda a abrir contas de banco, acompanha-os em visitas médicas e a centros de recolocação profissional, e os ensina a ter acesso à assistência social.
Outra função é auxiliar os refugiados que querem se deslocar, comprando passagens ou reservando quartos de hotel. "Viramos agentes de viagem", diz a americana, com uma risada. "Quando nos perguntam o que fazemos, a melhor resposta é tudo. Preenchemos as lacunas nos serviços do governo."
A Alemanha foi uma das nações da Europa ocidental a acolher mais ucranianos, depois apenas da Polônia. Cerca de um milhão deles vivem no país --um contingente que não só ultrapassa o total de imigrantes que chegaram na crise de refugiados de 2014, como levou a uma alta histórica da população.
Tierney afirma que a onda de solidariedade a ucranianos observada no início da guerra parece ter se esvaído. "Até amigos meus falam, 'meu Deus, você ainda está lá'. E a resposta, claro, é que sim, as pessoas ainda precisam de ajuda, a guerra não terminou."
Segundo ela, um dos maiores problemas que os ucranianos têm enfrentado é a dificuldade de encontrar moradia. O antigo aeroporto internacional de Tegel, que parou de operar voos em 2020, virou um dos principais abrigos da capital, alojando quase 1.500 pessoas.
Em novembro, duas tendas temporárias foram instaladas na pista de pouso, cada uma com capacidade para 400 pessoas. Mas o aeroporto está de novo lotado, diz Tierney, acrescentando que o Berlin Arrival Support opera um ônibus que vai do local à estação central a cada meia hora.
No total, a organização, que também atua no terminal central de ônibus de Berlim e em uma estação ferroviária menor, Südkreuz, estima já ter ajudado 380 mil pessoas, 330 mil delas só na estação central.
Questionada se alguma história a impactou particularmente, Tierney diz que é difícil apontar só uma. Mas lembra de uma mulher, mãe de três e portadora de HIV, que os buscou porque precisava de remédios e não sabia como obtê-los. "São pessoas com problemas cotidianos, como infecções, câncer, alcoolismo. Eles não vão embora só porque você está saindo de um país em guerra."
BERLIN ARRIVAL SUPPORT
Link: https://arrivalsupport.berlin/en/
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