SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A Rússia disse entender a posição brasileira de condenação da invasão da Ucrânia pelas forças de Vladimir Putin, reafirmada na ONU na semana passada, mas quer continuar a discutir a mediação de paz proposta por Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Essa foi a principal mensagem do chanceler russo, Serguei Lavrov, a seu colega brasileiro Mauro Vieira durante encontro às margens da reunião de ministros das Relações Exteriores do G20, o grupo das 20 economias mais desenvolvidas do mundo, em Nova Déli (Índia).

A reunião ocorreu nesta quarta (1º) e durou 45 minutos, boa parte dedicada à explanação de parte a parte da posição dos países em relação à maior crise de segurança na Europa desde a Segunda Guerra Mundial, que completou um ano na sexta (24).

Tanto Lavrov quanto Vieira repassaram pontos conhecidos de lado a lado: os russos viam uma intrusão ofensiva do Ocidente ao tentar absorver a Ucrânia em suas estruturas, dada a história comum e a fronteira entre os países, e os brasileiros condenam a invasão, mas também são contra o regime de sanções aplicado contra Moscou e defendem uma negociação com países neutros.

Lavrov confirmou que visitará Brasília em abril, o que deverá desagradar os Estados Unidos e reafirmar um quadro mundial em mutação.

Países como Brasil, que de todo modo é mais crítico à guerra, e Índia, que não condenou oficialmente a invasão, não querem se ver apenas como partes na disputa maior do Ocidente contra a Rússia --e, por extensão, à aliada de Moscou China, a rival estratégica dos americanos na Guerra Fria 2.0.

Diplomatas brasileiros dizem que o governo tem consciência de seu papel relativo no conflito, e que a proposta de Lula foi algo em aberto, para sondar disposições --e que até aqui nenhum lado está disposto de fato a conversar.

Na sexta, os chineses apresentaram um plano de paz esnobado no Ocidente, recebido com apatia em Kiev e comedido aplauso em Moscou. O texto tenta abarcar vários aspectos da guerra e nada diz sobre as fronteiras de áreas já ocupadas pelos russos. Antes, Lula havia feito uma proposta mais ampla, de negociação, que foi ignorada por americanos e europeus e colheu elogios de russos e ucranianos.

O Brasil tem tentado navegar nesses mares. Na véspera, Vieira esteve com o chanceler indiano, Subrahmanyam Jaishankar, e nesta quarta falou com Lavrov e os representantes da Holanda e da Nigéria. Na quinta (2), encontra-se com o americano Antony Blinken e com o chinês Qin Gang, os grandes antagonistas desta edição ministerial do G20.

Ela tem se provado um osso duro diplomático para os anfitriões. Logo ao desembarcar em Déli, Blinken disse a repórteres que não pretende se encontrar com seus rivais porque suas posições são conhecidas.

É uma regressão do movimento aberto pelo líder chinês Xi Jinping, que havia se encontrado com o americano Joe Biden no fim do ano. O afastamento se confirmou a partir do abate de um balão suspeito de espionagem chinesa sobre os EUA, em fevereiro.

De lá para cá, os EUA mantiveram uma posição mais dura ante a China, acusando sem provas Pequim de pretender armar os russos, assim como o Ocidente faz com Kiev. Os chineses negam, e a animosidade interessa às alas mais duras da política americana, seja do lado de Biden quanto da oposição republicana, com vistas ao pleito presidencial de 2024.

Assim, a Índia, membro do grupo Brics com Brasil, Rússia, China e África do Sul, está suando para equilibrar as veleidades. Um ponto central é a existência ou não de um comunicado final da reunião. No momento, segundo a reportagem ouviu de negociadores, os russos colocaram uma condenação ao ataque terrorista contra seu gasoduto Nord Stream, ocorrido em setembro, como uma condição para aprovar o texto.

Já os ocidentais querem, evidentemente, uma reprimenda dura a Moscou pela guerra. Nenhum dos dois lados deve ter o que quer, e posições intermediárias estão sendo estudadas, principalmente com a ajuda de nações neutras como a dos anfitriões e do Brasil --que presidirá o G20 em 2024.

Talvez nenhum consenso seja alcançado. No fim de semana, reunião similar de ministros da Fazenda do G20 em Bangalore não chegou a lugar algum devido à insistência ocidental na condenação russa. Nesta terça, o chefe da diplomacia europeia, o catalão Josep Borrell, disse que "essa guerra tem de ser condenada".

A sessão principal irá ocorrer nesta quinta, enquanto o jantar de abertura não teve a presença de americanos e chineses, que alegaram problemas de agenda. Em Pequim, o líder Xi Jinping mandou seu sinal nesta quarta, recebendo um dos mais fiéis aliados de Putin, o belarusso Aleksandr Lukachenko.

Agência Brasil - Chanceler russo, Serguei Lavrov

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