SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Em um raro e duro discurso no qual citou nominalmente os Estados Unidos como adversário existencial, o líder chinês Xi Jinping acusou Washington de liderar o Ocidente em uma campanha de "contenção e supressão" de seu país.

A fala, durante as chamadas Duas Sessões que reúnem o Legislativo da China, foi seguida por uma retórica ainda mais inflamada do chanceler Qin Gang, segundo o qual a aliança com a Rússia de Vladimir Putin precisa ser ainda mais reforçada para enfrentar os EUA.

"Países ocidentais, liderados pelos EUA, implementaram contenção e supressão completas da China, o que trouxe desafios severos sem precedentes ao desenvolvimento do país", afirmou Xi em um painel na segunda (6), segundo a agência Xinhua.

No futuro, disse o líder, "os riscos e desafios que nós enfrentamos apenas irão aumentar e se tornar mais severos". Foi um passo além da usual crítica ao unilateralismo americano e a defesa da multipolaridade dos discursos do líder.

Já Qin, falando nesta terça (7), afirmou em entrevista coletiva que a aliança entre Xi e Putin, sacramentada em Pequim 20 dias antes do início da Guerra da Ucrânia, em fevereiro do ano passado, "deu um exemplo global de relações exteriores".

Foi sua primeira aparição como chanceler nas Duas Sessões, tendo substituído a Wang Yi, que virou o mais importante diplomata do país, chefiando o poderoso Escritório da Comissão de Negócios Estrangeiros do Politburo, o coração político da ditadura chinesa.

"Na realidade, a dita competição do lado dos EUA é uma contenção e supressão completa, um jogo de soma zero no qual você vive e morre", afirmou, repetindo os termos do chefe e remetendo ao conceito da Teoria dos Jogos no qual a vitória de um adversário implica a derrota do outro.

Ele defendeu a relação com o Kremlin, que aumentou inclusive no flanco militar. "Com a China e Rússia trabalhando juntas, o mundo terá uma força motriz. O quão mais instável fica o mundo, mais imperativo é para a China e a Rússia avançarem suas relações de forma constante", disse. "A parceria estratégica certamente vai crescer de força em força."

A elevação do tom reflete o estágio atual do conflito geopolítico central do século 21, a Guerra Fria 2.0 iniciada pelos EUA em 2017 para tentar conter a assertividade chinesa sob Xi, que assumiu seu primeiro mandato em 2012 e agora ruma para um inédito terceiro termo na liderança.

Apesar de Xi ter iniciado uma certa abertura com o presidente americano, Joe Biden, durante encontro de ambos no fim do ano passado, uma série de fatores levou o relacionamento quase à estaca zero.

O principal foi o recrudescimento da guerra dos chips, com os EUA impondo restrições comerciais que dificultam o fornecimento de semicondutores avançados, que podem ter uso militar ou em aplicações como a inteligência artificial, a Pequim.

Mais que isso, Washington selou acordo para que atores importantes desse mercado vital, Japão e Holanda, a seguirem seu caminho, deixando também de fornecer insumos tecnológicos para a fabricação dos chips na China. "Ante uma feroz competição internacional, nós temos de abrir novos caminhos de desenvolvimento, novas capacidades. Tudo isso depende de tecnologia, fundamentalmente", afirmou Xi.

Além disso, há a perene questão da decisão chinesa de absorver Taiwan, ilha protegida por Washington, e houve a chamada crise dos óvnis, quando os EUA usaram seu mais avançado caça para abater um balão chinês que acusou ser espião sobre seu território. Ato contínuo, cancelaram a ida do secretário de Estado Antony Blinken a Pequim, que qualificou o artefato como meteorológico.

Ao mesmo tempo, autoridades americanas passaram a alertar Xi a não fornecer armamentos para a Rússia, no mesmo estilo que o Ocidente faz com Kiev na guerra. Até aqui, nem a Ucrânia acredita que haja esse tipo de fornecimento ou intenção. A China novamente negou e apresentou uma proposta mais genérica de solução para a guerra, que foi rejeitada pelo Ocidente.

O objetivo central americano, o de marcar Pequim como aliada de Putin após um ano de ambiguidade retórica, contudo parece ter sido alcançado, a julgar a temperatura dos discursos chineses. Qin exemplificou isso ao defender a diplomacia "lobo guerreiro", apelido dado a embaixadores mais agressivos a partir do título de um filme popular na China.

"Quando chacais e lobos estão bloqueando o caminho, e lobos famintos estão nos atacando, diplomatas chineses precisam então dançar com os lobos e proteger e defender nosso lar e país", afirmou. Xi deverá visitar Moscou ainda neste semestre, e recebeu na semana passada o aliado russo Aleksandr Lukachenko, ditador de Belarus.

É um ponto de atrito sensível entre três potências nucleares. A China tem o terceiro maior arsenal do mundo, atrás da dupla protagonista da Guerra Fria do século 20, encerrada com a derrota da antecessora legal da Rússia, a União Soviética, em 1991.


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