BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A Polícia Federal cruzou imagens do circuito interno de uma agência bancária no Rio e registros de uma pessoa que visitou Serguei Vladimirovitch Tcherkasov na prisão para apontar integrantes do governo da Rússia como a origem de depósitos ao russo investigado no Brasil sob a suspeita de ser um espião.
As informações sobre as transações financeiras estão no inquérito aberto para investigar os possíveis crimes de lavagem de dinheiro e corrupção cometidos pelo russo. Ele foi detido e enviado ao Brasil em abril de 2022 por autoridades holandesas, que o acusaram de ser um espião russo usando passaporte brasileiro para tentar se infiltrar como funcionário do Tribunal Penal Internacional, em Haia.
Parte das informações foi divulgada há cerca de 15 dias sem a identificação dos envolvidos nem os detalhes das transações, após o governo dos Estados Unidos apresentar uma denúncia contra Tcherkasov por fraude bancária e outros crimes relacionados à sua atuação como agente estrangeiro --de acordo com autoridades americanas, ele viveu um período no país usando documentos brasileiros falsificados.
Nos EUA, o suspeito de ser do GRU, unidade de inteligência militar da Defesa russa, apresentava-se como o brasileiro Viktor Muller Ferreira e cursou mestrado na Universidade Johns Hopkins de 2018 a 2020.
As transações, na interpretação dos investigadores, confirmam a existência de uma rede de apoio do governo russo no Brasil ao suposto espião e enfraquece o argumento do pedido de extradição feito por Moscou, de que Tcherkasov seria, na verdade, um condenado por tráfico de drogas na Rússia.
A PF chegou às transações após quebrar o sigilo bancário do suspeito. As movimentações indicaram uma série de depósitos mensais em dinheiro nas contas do russo --o total ao longo de um ano foi de cerca de R$ 80 mil. Parte desses repasses era depositada em uma agência bancária no Rio de Janeiro.
A partir das imagens do circuito interno do banco e das datas dos depósitos reveladas pela quebra de sigilo, a polícia detectou ao menos três pessoas como responsáveis pelos repasses, ainda que apenas duas delas sejam citadas nominalmente nos relatórios em posse da PF.
Em sete de fevereiro de 2022, por exemplo, um integrante do corpo consular russo identificado como Aleksei Matveev esteve em uma agência do Banco do Brasil no Rio de Janeiro para realizar um dos repasses. Nas imagens, a PF aponta para a suspeita de ser Ivan Chetverikov. Segundo o relatório, um "caucasiano" que acompanhou o executor dos depósitos para o russo.
A PF passou a suspeitar de Chetverikov após visitas de um russo --identificado como um caucasiano que se apresenta como cônsul no Rio-- ao suposto espião na prisão. A comparação da foto dele feita no registro da visita e de uma imagem registrada na agência bancária apontou para Chetverikov.
A reportagem procurou a embaixada da Rússia em Brasília e o consulado no Rio, mas não obteve resposta sobre quais cargos Chetverikov ocupou no governo e qual a função de Matveev na representação diplomática.
O ministro Edson Fachin, do STF, concordou com o pedido de extradição de Tcherkasov feito pelo governo russo, mas condicionou a medida ao término das apurações em andamento no Brasil, o que não ocorreu.
O russo foi alvo de dois inquéritos na PF. O primeiro, sobre o uso de documento falso para se passar por brasileiro, já foi concluído: ele foi condenado a 15 anos de prisão pela Justiça Federal de São Paulo.
Há ainda a investigação que mira os crimes de lavagem de dinheiro, corrupção e a possível atuação na prática de espionagem no país. O eventual crime de lavagem estaria relacionado às transações financeiras e, também, à compra de um imóvel. Já a corrupção seria ligada a uma agente cartorária que teria facilitado a obtenção da certidão de nascimento fraudulenta do russo no Brasil.
Ao ser detido, Tcherkasov chegou a citar a existência de uma mãe brasileira, já morta, com registro verdadeiro. Os investigadores procuraram uma irmã dessa suposta mãe e descobriram que ela havia falecido sem nunca ter tido filhos. O suspeito é um dos três russos que passaram pelo Brasil e são apontados como espiões --eles foram identificados ao redor do mundo no último ano.
Na segunda (3), o britânico The Guardian revelou a história de outro suposto agente da inteligência russa que teria vivido por anos no Rio, chegando a comprar uma propriedade perto do consulado americano na cidade. Gehard Daniel Campos Wittich --ou um espião russo de sobrenome Shmirev, segundo uma autoridade grega disse ao jornal-- teria vivido por ao menos cinco anos no Rio com identidade falsa, apresentando-se como um filho de pai austríaco e mãe brasileira criado pelos avós em Viena.
Em outubro de 2022, foi revelado que autoridades de segurança da Noruega prenderam outro suposto espião russo que afirmava ser um acadêmico brasileiro. O homem se identificava como José Assis Giammaria e trabalhava na Universidade de Tromsø, no norte do país.
Antes de chegar à Noruega, Giammaria havia passado anos em universidades do Canadá estudando temas relacionados à segurança no Ártico, também de acordo com o jornal The Guardian.
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