WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) - A eleição para a instância máxima da Justiça de um estado médio no norte dos EUA pode provocar uma pequena revolução na política do país e tem sido vista como o pleito mais importante do ano.
Enquanto os olhos do mundo acompanhavam o indiciamento do ex-presidente Donald Trump na terça (4), a população de Wisconsin elegeu a juíza Janet Protasiewicz para a Suprema Corte local, em uma vitória da ala progressista que pode significar uma mudança na política de aborto e no zoneamento eleitoral.
Um termômetro da importância do pleito ficou claro no volume gasto na eleição, que custou US$ 45 milhões (R$ 226 mi), segundo o portal WisPolitics, no que se tornou a disputa por um cargo na Justiça mais cara da história do país. Para se ter uma ideia, a disputa de 2020 pelo mesmo cargo custou um quarto disso.
Embora os juízes não tivessem que concorrer por partidos políticos, o Partido Democrata doou US$ 9 milhões para a campanha de Protasiewicz, segundo o Washington Post. Como resultado, ela veiculou três vezes mais propaganda do que os adversários na reta final da campanha.
O impacto mais imediato da eleição de Protasiewicz, que fez carreira como procuradora, deve ser na questão do aborto -tema de um terço dos anúncios na TV, segundo monitoramento do AdImpact.
Uma lei de 1849 proíbe o aborto no estado exceto em risco de vida da mãe. Em 1973, porém, a Suprema Corte dos EUA considerou que o aborto é um direito constitucional no julgamento Roe vs. Wade e a interrupção voluntária da gravidez foi permitida no estado, assim como no restante do país, por 49 anos.
Até que, no ano passado, a corte, agora mais conservadora, reverteu o entendimento, e a proibição do aborto voltou a valer em Wisconsin. Mas haverá um julgamento no próximo mês sobre a validade da lei do século 19, e o caso deve chegar à Suprema Corte de Wisconsin, onde a opinião de Protasiewicz favorável ao assunto deve formar maioria.
"Garanto que vamos analisar a lei de 1849, porque é um direito da mulher decidir", afirmou durante a corrida eleitoral a então candidata, explorando o tema que já havia sido considerado fundamental para explicar a performance de candidatos de esquerda nas eleições legislativas no ano passado.
Isso pode fazer de Wisconsin o primeiro estado a voltar a permitir o aborto depois de proibi-lo com a reversão da Roe vs. Wade.
O Partido Republicano chegou a contestar a parcialidade da juíza na comissão de ética do estado, e ela afirmou durante a campanha que não participaria de casos envolvendo o Partido Democrata dado os altos montantes doados na eleição, mas excluiu disso a discussão sobre o aborto e o zoneamento eleitoral.
A nova composição da corte deve julgar mudanças na formação dos distritos eleitorais que criavam grandes comunidades mais conservadoras para facilitar a eleição de candidatos republicanos, o chamado "gerrymandering", que garantia uma supermaioria republicana no Legislativo estadual. A nova composição da corte também pode ser decisiva na eleição para a Presidência dos EUA no ano que vem.
O estado tem tido um dos resultados mais apertados nas eleições presidenciais. Em 2020, Biden venceu Trump com 20,7 mil votos de diferença. Em 2016, Trump venceu Hillary Clinton com 22,7 mil votos a mais.
Com exceção de Barack Obama, que venceu no estado de maneira expressiva nas duas vezes em que concorreu, nas duas votações anteriores a população de Wisconsin escolheu candidatos democratas contra George W. Bush com margens de menos de 12 mil votos de diferença.
Isso abre caminho para contestações do resultado, como Trump de fato fez em 2020, ao não reconhecer a vitória de Biden e questionar a validade de 200 mil votos em dois grandes condados democratas. Mas, mesmo com maioria conservadora, o estado rejeitou as alegações do republicano de fraude. Agora, com a eleição da juíza para o cargo, os republicanos ficam em desvantagem ainda maior caso queiram recorrer ao tribunal para contestar o pleito uma vez mais.
Uma corte de maioria progressista também deve reverter medidas recentes que, segundo críticos, dificultam o acesso ao voto, como proibir os votos pelos correios ou aumentar as exigências para identificação do eleitor.
Wisconsin aparece como o 47º estado mais difícil para se votar dentre os 50 estados americanos em ranking do New York Times.
Protasiewicz foi eleita para um mandato de dez anos em uma eleição contra o conservador Daniel Kelly, que já havia ocupado esse cargo até 2020, quando não conseguiu se reeleger mesmo com apoio de Trump -o ex-presidente não o apoiou neste ano. Ao reconhecer a vitória da adversária, Kelly afirmou que foi uma "campanha baixa"e desejou "toda a sorte a Wisconsin". "Porque acho que vão precisar."
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