RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - A ministra da Defesa de Portugal, Helena Carreiras, afirma que a Otan não pode ser rígida na exigência de mais gasto militar de todos os seus membros, em especial mas não só os mais pobres, sob pena de criar divisões na aliança militar do Ocidente em meio à Guerra da Ucrânia.
"Temos de ter flexibilidade em focar com a trajetória. Espero que o caminho para Vilnius não seja o da rigidez, que pode ser divisiva", afirmou ela à reportagem na quarta (12) à noite no Rio, em referência à reunião que a aliança fará em julho na capital lituana.
Ela admite que "há uma certa pressão" para que os países-membros do clube atinjam a meta mínima de gastar 2% do PIB (Produto Interno Bruto) com defesa. Em 2022, apenas 9 dos seus então 30 integrantes cumpriam o requisito, definido antes da invasão promovida por Vladimir Putin em fevereiro de 2022.
Ao longo do ano passado, ao menos 20 países europeus anunciaram aumento de orçamento militar. O líder do grupo, os EUA, o Reino Unido e os integrantes mais próximos da Rússia, Polônia à frente, são os mais vocais defensores de mais gasto. A meta foi definida em 2006 para ser alcançada pelos membros em 2024, mas há especulações de que ela poderá ser elevada.
"Há situações desiguais, assimetrias entre países", disse, e ela não fala só sobre os mais pobres. "Não me parece muito positivo que haja demasiada rigidez na forma como lidar com esse tema. Há países que têm um PIB per capita tão alto que não irão chegar aos 2%, como a Alemanha", afirmou.
"Nós podemos contribuir de outros meios", arrematou a socióloga Carreiras, que assumiu em março do ano passado e é a primeira mulher a dirigir a pasta na história portuguesa.
Em 2022, Portugal gastou 1,44% de seu PIB com defesa, e segundo Carreiras logo chegará a 1,66%. Ela não se comprometeu, contudo, com a meta de 2% que em 2006 foi estabelecida para ser alcançada em 2024. "Há também outras prioridades", disse a integrante do Partido Socialista, citando questões econômicas e sociais.
E qual seria a contribuição ofertada? Carreiras dá como exemplo as missões internacionais integradas por Portugal no âmbito da Otan, da ONU e da União Europeia. "Só em 2023, serão 31 missões", afirmou a ministra.
Ainda assim, diz ela, o país está gastando mais. Ela cita a revisão em curso da Lei de Programação Militar, um plano de 12 anos para o setor que prevê investimentos na casa dos ? 5,6 bilhões (R$ 30,5 bilhões hoje) no período.
"Temos de ter a duplicação das reservas para guerra. Há um déficit no mundo todo de munições, fuzis", afirmou, ecoando as preocupações de colegas seus da Suécia e da Finlândia ouvidos pela reportagem no Rio nesta semana ?todos visitavam a feira militar LAAD, que acaba nesta sexta (14).
Segundo o mais recente levantamento do Instituto para Economia Mundial de Kiel (Alemanha), Lisboa é a 19ª maior doadora a Kiev, entre 41 nações que enviaram algum tipo de ajuda em 2022. O país comprometeu ? 250 milhões (R$ 1,36 bilhão) em auxílio financeiro.
Isso dá 0,2% de seu PIB, somados a mais 0,2% que chegaram aos ucranianos por meio de instituições da União Europeia. Segundo a Defesa, a ajuda militar direta chegou a ? 18,5 milhões (R$ 101 milhões). País de 10,2 milhões de moradores, Portugal tem 26,7 mil militares, mas numa proporção por habitante semelhante à da mais agressiva Polônia.
A crise, diz Carreiras, retomou o papel original da Otan, criada em 1949 para conter a expansão soviética na Europa e implementar um laço transatlântico do continente com EUA e Canadá. Na semana passada, a Finlândia aderiu à aliança, e a Suécia está esperando o fim de um veto turco para fazer o mesmo.
"A Otan está voltando à missão de segurança coletiva", disse ela. "O mundo é um lugar mais perigoso", completou, ao comentar a iniciativa dos países nórdicos e buscar a proteção da aliança: caso um membro seja agredido, todos os outros têm de vir em seu socorro.
A intenção ucraniana de ingressar na Otan, aliás, foi um dos motivos declarados por Putin para agredir o vizinho. Historicamente, os russos buscam ter zonas tampão em torno de suas fronteiras mais vulneráveis, afastando exércitos inimigos.
"Temos um envolvimento indireto na guerra, contra os desígnios imperiais [da Rússia]. É uma ameaça a outros Estados", disse a ministra, que talvez pela posição geograficamente mais distante de Portugal destoa de alguns de seus colegas acerca dos riscos de escalada do conflito para uma guerra entre Otan e o Kremlin.
"Não me preocupa a escalada. Há sempre o risco nuclear, mas amplificar isso é coisa de Putin. Não há um risco muito elevado. As ameaças buscam nos intimidar", afirmou.
Carreiras diz que a proximidade histórica e também estratégica entre Brasil e Portugal, que comprou cinco aviões de transporte KC-390 da Embraer, pode mudar o cenário de segurança na região atlântica.
"Com parceiras, temos uma vizinhança mais estável", disse, citando o negócio aeronáutico e o Centro do Atlântico, um grupo de 21 países que margeiam o oceano que busca soluções comuns a questões como a pirataria no golfo da Guiné (África ocidental).
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