SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - No Gueto de Varsóvia floresceram peças de teatro, escolas clandestinas e até uma pesquisa sobre a fome, antes do mais notório acontecimento do bairro judeu ?o levante civil armado contra o extermínio de quem vivia ali, movimento que completa 80 anos nesta quarta-feira (19).
Criado na década de 1940, pouco depois da invasão da Polônia pela Alemanha, o Gueto de Varsóvia era o maior da Europa e chegou a abrigar mais de 400 mil pessoas em pouco mais de 3 km², em alinhamento com a política nazista de isolamento e aniquilação de judeus e membros de outras minorias.
No bairro, cercado por muros e arame farpado, o limite de ingestão calórica determinado pelos nazistas fazia a fome ser corriqueira, e a restrição de vacinas e remédios tornava comuns as mortes por doenças evitáveis. Havia, porém, associações de proteção à criança, organizações dedicadas ao hebraico e ao iídiche, grupos de fortalecimento de práticas religiosas e escolas que funcionavam até mesmo em porões para driblar os alemães ?tais atividades, claro, eram proibidas pelo regime nazista.
No campo da educação, as condições do gueto influenciaram o currículo e a dinâmica das aulas, segundo a pesquisadora Nanci Nascimento de Souza, que estudou a educação clandestina no Gueto de Varsóvia em um mestrado na USP. Havia orientações às crianças para evitar doenças, por exemplo, mas também aulas de latim e grego e classes de física e química que improvisavam vasos de planta no lugar de tubos de ensaio, além de cerimônias de entrega de diplomas.
"A educação parecia perder aquele caráter utilitário. Havia ali uma educação voltada para o homem na sua totalidade, já que ninguém estava se formando para ser médico ou ganhar dinheiro", afirma a pesquisadora. "Por meio da educação, validavam a existência do judeu como indivíduo e como povo."
Médicos confinados no Gueto de Varsóvia contribuíram até mesmo com um estudo sobre as consequências psicológicas e fisiológicas da fome. As observações, que registraram alterações na visão, no metabolismo e no sangue de crianças e adultos, foram publicadas anos mais tarde por Myron Winick, professor do Instituto de Nutrição da Universidade Columbia, de Nova York.
Assim como os outros guetos da Europa ocupada pela Alemanha na época, o da capital polonesa teve seu local definido com base na malha ferroviária do país. A estratégia era localizá-los perto de linhas de trem para facilitar o transporte para os campos de concentração ?eram, em outras palavras, uma "antessala da deportação e do extermínio" dos que estavam confinados, segundo Souza.
Calcula-se que cerca de 3 milhões de judeus morreram na Polônia durante o Holocausto, metade do número total de mortes causadas pelo nazismo na primeira metade do século 20.
Quando policiais se dirigiram ao bairro murado para destruí-lo, em 1943, os mais de 400 mil moradores já haviam sido reduzidos para algo entre 50 mil e 60 mil pessoas. Pouco antes da invasão, grandes deportações haviam levado a maior parte da população para campos de extermínio, o que motivou a criação da Organização Judaica de Combate (ZOB, na sigla em polonês).
O grupo, liderado por Mordechaj Anielewicz, 24, foi um dos responsáveis por organizar a resistência que, com armas escassas e treinamento insuficiente, sustentaram um combate com soldados alemães por quase um mês, antes dos nazistas destruírem a maior comunidade judia da Europa.
"Ali, a resistência se manifestou em todas as áreas da vida humana. Na alimentação da família, na ajuda aos desabrigados, no acolhimento dos órfãos, na produção artística e nas pesquisas científicas", afirma Souza. "Apesar das circunstâncias extremas, havia pessoas que pensavam na música, nos livros e na arte. Essas manifestações ludibriavam os nazistas e sua pretensão de domínio total."
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