WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) - Após as críticas de representantes do governo dos Estados Unidos ao Brasil engatilhada pela fala do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de que Washington teria interesse na continuidade da Guerra da Ucrânia, os principais conselheiros dos presidentes de ambos os países se falaram por telefone na noite de terça-feira (17), em um movimento para distensionar as relações.

O conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, Jake Sullivan, e o assessor especial da Presidência brasileira, Celso Amorim, falaram sobre "a guerra da Rússia contra a Ucrânia", segundo o governo americano, além de "uma série de questões bilaterais e globais". De acordo com a Casa Branca, eles discutiram também o combate às mudanças climáticas, os esforços dos dois países para salvaguardarem instituições democráticas e o G20, grupo do qual o Brasil assume o comando em dezembro.

Repercutiu mal o fato de o Brasil receber o chanceler russo, Serguei Lavrov, um dos maiores defensores da invasão da Ucrânia, mas o que incomodou mesmo o governo americano foi a fala de Lula no domingo (16), de que os EUA têm interesse na continuidade da guerra. "É preciso que os EUA parem de incentivar a guerra e comecem a falar em paz, para a gente convencer Putin e Zelenski de que a paz interessa a todo mundo e que a guerra só está interessando, por enquanto, aos dois", disse.

Na segunda e na terça-feira, autoridades americanas fizeram declarações duras à imprensa condenando a fala, a mais contundente delas do porta-voz do Conselho de Segurança Nacional, John Kirby, ao dizer que o Brasil estava "repetindo a propaganda da Rússia sem olhar para os fatos". Ainda que sempre com a ressalva de que o país é "soberano para ter as relações com quem quiser", membros do governo, como a porta-voz de Biden, Karine Jean-Pierre, afirmaram que a postura do Brasil não tem sido de neutralidade.

O Brasil reagiu na sequência. Na segunda, o chanceler Mauro Vieira afirmou não entender "como ou por que" Kirby chegou à conclusão de que o Brasil repetia a propaganda russa e afirmou que o país quer promover a paz. Já Amorim, em entrevista à Folha de S.Paulo, disse que o Brasil "não tem que seguir todas as opiniões" dos americanos e reiterou que o país votou na ONU contra a invasão do território ucraniano.

Na terça, um dia depois de se reunir com Lavrov e após se encontrar com o presidente da Romênia, Klaus Iohannis, Lula condenou a invasão ucraniana sem citar a Rússia. "Ao mesmo tempo em que meu governo condena a violação da integridade territorial da Ucrânia, defendemos uma solução política negociada. Falei da nossa preocupação com os efeitos da guerra, que extrapolam o continente europeu", disse.

Na semana anterior, Lula já havia dito que, em nome da paz, a Ucrânia poderia ceder a Crimeia, península ucraniana anexada pela Rússia em 2014 ?a fala também foi condenada por Kirby. "Os comentários mais recentes do Brasil de que a Ucrânia deveria considerar ceder formalmente a Crimeia como uma concessão pela paz são equivocados, especialmente para um país como o Brasil, que votou para defender os princípios de soberania e integridade territorial na Assembleia-Geral da ONU", disse ele.

Não foi só a postura em relação à guerra que incomodou os americanos. Na viagem à China, Lula fez uma série de críticas aos EUA, questionou a predominância do dólar no comércio internacional e insinuou que Washington pressiona o Brasil a boicotar os chineses. Lula também visitou uma fábrica da Huawei, gigante das telecomunicações que é alvo de sanções dos EUA.

As declarações irritaram o governo americano, que, como mostrou a Folha de S.Paulo, alega que os brasileiros não têm prezado pelo equilíbrio em seus posicionamentos e teriam adotado clara oposição a Washington.


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