TOULOUSE, FRANÇA (FOLHAPRESS) - Influenciadores digitais na França não podem mais promover produtos ou serviços considerados de risco após o Senado aprovar, por unanimidade, nesta quinta (1º), uma lei que regula a atividade no país.
O texto que teve apoio dos 356 senadores é uma iniciativa interpartidária que busca regulamentar o que parlamentares chamaram de "selva da influência" e combater excessos de estrelas de plataformas digitais entre os cerca de 150 mil influenciadores franceses, de acordo com estimativas do governo.
A nova regra, aprovada também por unanimidade na Câmara, proíbe influenciadores de promover produtos e tratamentos, como procedimentos estéticos cuja prescrição seja reservada a profissionais de saúde.
Também fica proibida a propaganda de apostas, investimentos em criptomoedas e outros produtos financeiros de risco, bem como a promoção do tabaco e de artigos de nicotina, cada vez mais utilizados por adolescentes no país. A lei veta ainda a sugestão de qualquer tipo de interrupção terapêutica e a oferta de assinaturas para obter aconselhamento esportivo, além da promoção de itens contrabandeados.
O texto exige também que seguidores de influenciadores sejam alertados quando expostos a imagens produzidas por inteligência artificial ou a fotos e vídeos que tenham passado por filtros de correção.
"A lei é importante porque define um regime jurídico para a atividade de influenciadores, suas agências e empresas que os contratam", diz à Folha de S.Paulo o advogado Raphael Molina, especialista em direito sobre o marketing de influenciadores. "O texto obriga que os acordos entre empresas, agências e influenciadores sejam feitos por contrato e que esses três atores sejam responsabilizados caso sua atuação gere vítimas."
As sanções previstas na lei vão de multas que podem chegar a EUR 300 mil (R$ 1,6 milhão) até penas de dois anos de prisão. "Temos de garantir que os influenciadores digitais, que representam empregos e a criatividade francesa, estejam sujeitos às mesmas regras a que estão sujeitos na rádio, na televisão e nos meios de comunicação tradicionais", disse nesta semana o chefe da Economia na França, Bruno Le Maire.
Em janeiro, o ministro lançou uma consulta pública sobre o tema para "apoiar e supervisionar melhor os influenciadores" após o debate público ganhar tração com denúncias na Justiça feitas pelo rapper Booba, estrela da cena musical francesa, de práticas fraudulentas de uma agência de influenciadores financeiros.
Meses depois, a Direção-Geral de Concorrência, Consumo e Repressão à Fraude (DGCCRF) apontou que 6 em cada 10 influenciadores franceses não cumpriam as regras de regulamentação sobre publicidade nem respeitavam os direitos dos consumidores. Em maio, o órgão apresentou o resultado de uma campanha que monitorou 50 influenciadores e concluiu que 30 deles haviam cometido infrações. "Eles não foram transparentes sobre a natureza comercial da sua abordagem ou sobre a identidade da pessoa em nome da qual agiam", afirmou o relatório que embasou 18 sanções administrativas e 16 processos criminais.
A movimentação levou empresas como a Meta, dona do Facebook e do Instagram, entre outras plataformas, a apagar uma série de contas de influenciadores. Entre os casos emblemáticos na França está o do influenciador Marc Blata, que vive em Dubai, tem 4 milhões de seguidores no Instagram e promete vultosos retornos financeiros por meio de investimentos em NFTs (imagens com certificado de autenticidade digital). Ele é alvo de centenas de denúncias de fraude, acusações que contesta.
Outro exemplo é o de Dylan Thiry, que participou de um reality show na França, também vive em Dubai e tem mais de 2 milhões de seguidores no Instagram. Ele criou a organização humanitária Para as Nossas Crianças, para a qual realizou campanhas de arrecadação por meio de doações regulares, supostamente destinadas à construção de poços de água e de abrigos para crianças em vários países da África.
Thiry é acusado por associações de ajuda a vítimas de influenciadores de nunca ter empreendido tais construções. A ONG foi fechada, mas ele afirma que o dinheiro foi utilizado para ajudar pessoas na África.
A nova lei francesa também traz obrigações para as plataformas digitais, na mesma linha do Digital Services Act (DSA), a lei da UE para regular meios digitais. Entre elas está a implementação de botões de alerta e dos meios necessários para remover com celeridade conteúdos denunciados pelas autoridades. As redes também precisam priorizar os alertas dos chamados "sinalizadores de confiança", associações de consumidores ou associações de vítimas de influência credenciados pelo Ministério da Economia.
Influenciadores que residem fora do território francês, mas que se dirigem ao público da França, segundo a nova lei, deverão instituir representantes locais que possam ser submetidos à legislação do país.
De acordo com os termos da lei, o Estado terá de realizar campanhas de sensibilização nas escolas sobre os abusos dos influenciadores e apresentar um relatório, no prazo de seis meses após a promulgação da lei, sobre os recursos de que a DGCCRF dispõe para combater as fraudes promovidas por eles.
A lei define influenciador como qualquer pessoa "que utiliza a sua reputação para comunicar conteúdos ao público por meios eletrônicos com vista a promover, direta ou indiretamente, bens, serviços ou uma causa de qualquer tipo em troca de um benefício econômico ou de uma vantagem de outra espécie".
Uma carta aberta publicada pela União dos Profissionais de Influência e Criadores de Conteúdos (UMICC) no Le Journal du Dimanche, subscrita por mais de cem pessoas, afirma que, "nos últimos meses, alguns fizeram crer que fraudes, produtos de contrabando e práticas comerciais duvidosas representavam o setor, quando, na realidade, representam apenas uma minoria" e que a prioridade da UMICC "é a proteção dos consumidores e das nossas comunidades". "Somos a favor da regulamentação do setor."
Para Molina, "a legislação é bem-vinda para a maior parte dos atores envolvidos nesse mercado". "A maioria das empresas e dos profissionais já cumpre as leis, e a regulamentação vai permitir a profissionalização do setor e orientar empresas aos agentes e influenciadores que atuam legalmente."
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