SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Após um longo inverno em que os russos atacaram a infraestrutura civil da Ucrânia e tiveram um sucesso relativo no chamado "moedor de carne" de Bakhmut, a guerra entrou em uma nova fase com o início da contraofensiva prometida por Kiev há meses.

Combates ao longo da frente em Donetsk, onde fica a estratégica cidade tomada pelos russos, e em Zaporíjia, no sul, intensificaram-se nesta segunda-feira (5). A aguardada ação de primavera do Hemisfério Norte estava tão atrasada que chegou a duas semanas do verão.

Segundo a Rússia, que invadiu o vizinho há 15 meses e disparou a maior crise de segurança na Europa desde a Segunda Guerra Mundial, tudo começou neste domingo (4). Mas, na versão divulgada na madrugada desta segunda e no fim do dia, foi um mau começo para os ucranianos, com perdas de 1.500 homens e 28 tanques, incluindo 8 modelos alemães Leopard nas duas brigadas envolvidas em Donetsk.

O governo de Volodimir Zelenski economizou nos comentários. Várias autoridades tentaram dissimular ao longo da segunda, mas ao fim a vice-ministra da Defesa, Hanna Maliar, disse no Telegram que "a operação defensiva inclui tudo, inclusive ações de contraofensivas". "Em algumas áreas, estamos movendo para ações ofensivas."

Ela disse, contudo, que o principal sucesso ucraniano até aqui foi em torno de Bakhmut, a simbólica cidade de Donetsk tomada pelos russos em maio. Por isso, acrescentou, Moscou resolveu divulgar informações sobre a contraofensiva, "porque eles precisam desviar atenção da derrota" na região.

Zelenski também comemorou avanços na região. Em um vídeo, descreveu como histéricas as atitudes de Moscou. "Vemos até que ponto a Rússia reage histericamente a cada avanço que fazemos neste setor, a cada posição que tomamos. O inimigo sabe que a Ucrânia vai vencer", disse ele.

Nos últimos dias, Kiev lançou até uma campanha pedindo para que nenhum militar ou civil ucraniano comentasse a contraofensiva, para tentar ter algum grau de surpresa.

Nesta segunda, o Estado-Maior das Forças Armadas de Kiev foi evasivo. "Não temos essa informação e não comentamos nenhum tipo de fake [news]", disse um porta-voz. Já o assessor presidencial Mikhailo Podoliak pediu que as versões russas não sejam levadas a sério, sem contudo entrar no mérito da ação. Apenas postou o vídeo pedindo silêncio e citou um verso da banda britânica Depeche Mode: "Palavras são muito desnecessárias/elas só podem machucar" ("Enjoy the Silence", 1990).

Ao longo da guerra, tanto Moscou quanto Kiev se notabilizaram por exagerar o escopo de suas operações, quando não mentem descaradamente. Desinformação, afinal, é da natureza do conflito humano desde a Antiguidade e faz parte da tentativa de desmoralizar o inimigo.

Aí entra uma segunda possibilidade, insinuada num post no Twitter nesta segunda pelo chefe de gabinete de Zelenski, Andrii Iermak: "A verdadeira sabedoria é convencer o inimigo de que ele já perdeu". A mensagem, cifrada, pode sugerir que Kiev está apenas lançando ações pontuais para atrair os russos, e não uma contraofensiva ampla.

Seja como for, nesta segunda-feira emergiram diversos relatos de intensificação das ações. O chefe do grupo mercenário Wagner, que tomou Bakhmut em maio, disse que Kiev recuperou uma vila a três quilômetros da cidade, confirmando assim a postagem da vice-ministra.

"Agora, parte do assentamento de Berkhivka já foi perdida, as tropas [russas] estão fugindo silenciosamente. Desgraça", afirmou em mensagem gravada Ievguêni Prigojin, que como sempre culpa o ministro Serguei Choigu, da Defesa, e o chefe das operações na Ucrânia, Valeri Gerasimov, pela situação.

O notório blogueiro Igor Girkin, que foi chefe da defesa pró-russa na guerra civil iniciada em 2014 no Donbass e hoje é crítico do Kremlin, disse que os ucranianos de fato foram repelidos, mas que não é possível saber se é uma contraofensiva aberta. Já o chefe do batalhão de rebeldes pró-Rússia Vostok, que opera no Donbass, afirmou que os ucranianos tiveram ganhos na região de Velika Novosilka, em Donetsk, e que usaram pela primeira vez os tanques Leopard-2 doados pela Otan, a aliança militar do Ocidente.

"O inimigo está tentando romper [as linhas]. Sentido o cheiro do sucesso, ele vai jogar forças adicionais na batalha", afirmou Alexander Khodakovski no Telegram.

A Otan disse ter equipado e treinado nove brigadas ucranianas, o equivalente a 45 mil homens, inclusive com 230 tanques novos. De acordo com o vazamento de papéis do Pentágono sobre a guerra, ao todo 12 brigadas, ou 60 mil soldados, seriam usados na contraofensiva.

Seja a salva de abertura da contraofensiva, como analistas ocidentais e russos afirmam, ou apenas um teste de estresse aplicado por Kiev, a dinâmica do conflito mudou. Ela já estava se delineando com o incremento nos ataques dentro da Rússia ?o presidente Vladimir Putin segue tentando minimizar a guerra como uma operação pontual, e as ações visam a contradizer isso.


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