SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O presidente do Irã, Ebrahim Raisi, encerrou nesta semana sua provocativa turnê pela América Latina, durante a qual passou por três párias internacionais: Venezuela, Nicarágua e Cuba. A escolha das paradas foi eloquente, dando conta de um projeto político de reforçar laços com desafetos americanos na região.
Isso não é ler nas entrelinhas. Raisi articulou essa ideia quando chegou a Caracas na última segunda-feira (12), inaugurando sua viagem. Ao lado do ditador Nicolás Maduro, disse que esses países são "amigos com inimigos em comum". Todos eles, afinal, são alvos de sanções dos EUA. Compartilham, também, um longo histórico de violações dos direitos humanos.
Na superfície, o tour de Raisi pelo que Washington outrora descreveu como "troika da tirania" contribui para a tão falada construção de uma nova ordem mundial, que seria multipolar. Nesse arranjo, potências como Rússia, China e Irã deslocariam os EUA como único moderador global. Foi o que aconteceu nos últimos meses, com a mediação chinesa na reaproximação histórica entre os rivais Irã e Arábia Saudita.
Esse projeto, porém, não é tão novo. Tampouco tem sucesso garantido. O ex-presidente iraniano Mahmud Ahmadinejad (2005-2013) já tinha investido nos laços com a Venezuela de Hugo Chávez, a Nicarágua de Daniel Ortega e a Cuba dos irmãos Fidel e Raúl Castro. Havia se aproximado também do Brasil. Seu sucessor Hassan Rouhani (2013-2021) se afastou um pouco da região, algo que Raisi já tenta reverter.
Viagens como esta envolvem sedutoras promessas. Na Venezuela, Raisi falou em incrementar o comércio bilateral, elevando o fluxo anual dos atuais US$ 3 bilhões para US$ 20 bilhões (quase R$ 100 bilhões). Os líderes também assinaram 25 acordos de cooperação. O tom das visitas a Nicarágua e Cuba foi parecido, apesar de mais tímido. Em Manágua, falando de "uma história comum de luta e de resistência", Raisi assinou três acordos. Já em Cuba, contra o "imperialismo yankee", foram seis.
Esses líderes latino-americanos, no entanto, de certo sabem que Raisi tem pouco a oferecer de concreto. As sanções americanas amordaçam a economia iraniana há anos, na tentativa de frustrar seu controverso programa nuclear. E protestos de rua têm estremecido seus alicerces sociais desde que as autoridades iranianas detiveram e mataram uma jovem acusada de não cobrir bem o cabelo. Seria ingenuidade esperar muito. Como no passado, é provável que nem todo o prometido seja entregue.
Não que isso seja pouco para países que também estão em maus bocados, caso dos três anfitriões de Raisi. Em 2020, o Irã enviou combustível e suprimentos para ajudar a Venezuela a manter suas refinarias funcionando. O gesto foi fundamental para ancorar o regime de Maduro, que também faz parte da Opec (Organização dos Países Exportadores de Petróleo). Já a aliança entre Teerã e Havana resultou, nos últimos anos, na cooperação para produzir vacinas contra a Covid.
Do ponto de vista iraniano, a viagem é importante porque serve de evidência de que esse país tem aliados. Isso é essencial porque o regime tem recebido duras críticas de sua própria população -entre elas, a de que o isolamento internacional vem custando muito para o país. Com a visita à América Latina, Raisi parece sugerir que existe um mundo além dos EUA e que, em uma tal ordem multipolar, o Irã tem com quem contar.
Nesse sentido, é marcante o anúncio feito por Maduro de que seu país vai instalar um busto do general iraniano Qasem Soleimani no mausoléu de Simón Bolívar, o herói da independência venezuelana. Soleimani era chefe da força Quds, a elite da Guarda Revolucionária do Irã. Acusado de fomentar atos terroristas, foi morto por um ataque aéreo americano em 2020.
As estátuas têm o poder simbólico de criar narrativas. Neste caso, o busto de Soleimani vai se colar à história de Bolívar, solidificando a aproximação entre esses dois desafetos dos EUA.
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