SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O governo da Rússia deteve um dos seus mais importantes generais, Serguei Surovikin, aparentemente para interrogá-lo sobre seu grau de envolvimento no motim dos mercenários do Grupo Wagner, o mais grave desafio interno à autoridade de Vladimir Putin em mais de duas décadas de poder.
A prisão foi relatada inicialmente por canais militares russos no Telegram, como o Rybar. O jornal The Moscow Times publicou a mesma informação depois, baseado em dois funcionários do Ministério da Defesa, e a reportagem ouviu a mesma versão de uma pessoa com acesso ao Kremlin.
Até aqui, o governo não comentou o caso, e é bastante provável que não confirme nada. Nesta quarta (28), o jornal americano The New York Times havia publicado reportagem afirmando que Surovikin estava sob investigação devido ao motim, e que tinha conhecimento prévio do movimento. O general não é visto desde domingo (25).
O Kremlin não negou peremptoriamente a informação, com seu porta-voz dizendo apenas que "o movimento [motim] causa muita intriga e fofoca, e parece ser o caso".
Segundo Rybar e o contato da reportagem, Surovikin foi detido no domingo e está em uma prisão militar. Não está claro se ele teve alguma participação na sublevação liderada pelo homem que até então era conhecido como o "chef de Putin", Ievguêni Prigojin.
Surovikin era visto como o general de mais alto escalão próximo de Prigojin, em oposição ao grupo liderado pelo ministro da Defesa, Serguei Choigu, que o mercenário nominalmente quis derrubar no fim de semana para evitar a dissolução de seu grupo. Ao menos, na versão da história dada por Prigojin, que negou trabalhar contra Putin, de cujo governo recebeu quase R$ 10 bilhões, metade para atuar na Guerra da Ucrânia, metade para os serviços de alimentação do governo que lhe garantiram o apelido.
Se a ligação dos aliados no motim for confirmada, é um dado dramático da crise que começou na sexta (23), quando Prigojin divulgou mensagens criticando a condução da Guerra da Ucrânia e moveu suas forças para tomar a estratégica cidade de Rostov-do-Don, para no dia seguinte enviar uma coluna armada em direção a Moscou.
Não havia, até aqui, nenhum indício de que envolvimento das Forças Armadas no que Vladimir Putin classificou de uma iminente guerra civil. Mas chamou a atenção desde o começo a facilidade com que Prigojin tomou assento no quartel-general em Rostov e com o fato de que apenas a Força Aérea pareceu lutar contra o avanço rumo à capital --que, por sua vez, viu a mobilização só da Guarda Nacional, separada das Forças Armadas.
E Surovikin, o implacável e brutal "general Armagedom" que ganhou o apelido na campanha russa na Síria, não é um militar qualquer. Um dos mais respeitados comandantes de campo do país, ele comandou as forças de invasão na Ucrânia de outubro de 2022 a janeiro deste ano, quando foi substituído pelo número 2 da Defesa, general Valeri Gerasimov, em um movimento político nunca explicado totalmente.
Mas ele permaneceu na guerra, como adjunto de Gerasimov, e segundo analistas militares sendo o verdadeiro cérebro das operações, tenho até aqui montado com sucesso a resistência à contraofensiva lançada no começo deste mês por Kiev.
O caso fica mais intrincado porque o governo havia escalado Surovikin, e não Choigu, para gravar um vídeo no sábado instando os combatentes do Wagner a não prosseguir com a rebelião. Ele estava com o semblante tenso e portava um fuzil de assalto, em algo que foi lido como um apelo de um amigo a Prigojin.
Um observador agora diz que, naquele momento, ele pode ter tido sua lealdade testada. O fato é que ele desapareceu desde então e não esteve presente na cerimônia em que Putin agradeceu as Forças Armadas e serviços de segurança por ter "evitado o derramamento de sangue" causado por "traidores", na terça (27).
O episódio é mais um obscuro no desenrolar da crise, que ainda parece inconclusa. Prigojin foi para Belarus, onde está sob a proteção do ditador Aleksandr Lukachenko, que afirma ter evitado que Putin matasse o mercenário durante a crise.
A mediação do belarrusso é outro ponto sem explicação coerente, mas o fato é que o Wagner agora foi convidado a mudar-se para o país ou, como alternativa, submeter-se a Choigu assinando contratos com o Ministério da Defesa.
Com o maior arsenal nuclear do mundo, por óbvio preocupa o Ocidente o rumo da instabilidade interna da Rússia. Segundo relatos disponíveis, Putin está com a situação sob controle, restando saber se a conspirata de Prigojin teve ao menos o beneplácito de um de seus principais generais, o que enseja questões mais alarmantes.
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