WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) - O governo autoritário da Turquia intensificou nos últimos anos os ataques contra a comunidade LGBTQIA+. A situação chegou a um extremo nas eleições de maio, marcadas por uma campanha homofóbica e transfóbica em que o agora reeleito Recep Tayyip Erdogan se referiu a essa população, sem nenhum pudor, como "pervertidos" e "pestes".

É um momento bastante delicado para essa comunidade, com riscos crescentes à sua segurança. Ainda assim --e por isso mesmo-- centenas foram às ruas no último final de semana participar das paradas de Istambul e de Esmirna, duas das maiores cidades turcas. Nesta quarta-feira (28), Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+, também os turcos celebram a resiliência de um movimento social que segue lutando por seus direitos a despeito de tudo.

"Isso nos ajuda a ter esperança", afirma E. Ege Tektas, que trabalha na organização ÜniKuir defendendo pessoas LGBTQIA+ dentro das universidades turcas. "Eles foram à parada mesmo sabendo que a polícia os atacaria e os deteria", diz. De fato, ao menos 113 pessoas foram detidas em Istambul e 52 em Esmirna.

A Turquia tem uma antiga e extensa rede de organizações LGBTQIA+, algumas delas em funcionamento há décadas. O cenário após a reeleição de Erdogan ficou mais complicado, mas não a ponto de calar a sociedade civil, dizem os ativistas ouvidos pela reportagem.

A homossexualidade não é um crime na Turquia, diferentemente de em alguns países da região que herdaram legislações anti-LGBTQIA+ de seus colonizadores europeus. Desde 2015, no entanto, o governo de Erdogan tem feito dessa comunidade um alvo frequente. "Nossas liberdades encolheram", diz Öner Ceylan. Ele é voluntário há 26 anos na Lambda Istanbul, uma organização turca fundada em 1993.

Ativistas falam em 2015 como um ponto de inflexão. Erdogan não conseguiu maioria parlamentar suficiente para formar um governo sozinho com seu partido e teve de repetir as eleições. Desde então, apressou sua guinada ao autoritarismo e ao conservadorismo. Foi naquele ano que as autoridades passaram a proibir a parada --um evento que, na edição anterior, tinha reunido mais de 100 mil pessoas.

"Estamos muito preocupados, porque a pressão está muito maior do que em anos anteriores", afirma Ceylan. Neste mês, pela primeira vez, autoridades turcas proibiram um evento mensal da Lambda em que as pessoas se reúnem para tomar chá e conversar em inglês. As forças de segurança têm reprimido aglomerações, mesmo pequenas. "Estamos vendo mais casos de violência contra pessoas LGBTQIA+."

Para Ceylan, no entanto, a sociedade turca não é homofóbica em si. Ele atribui a culpa a Erdogan por ter polarizado as opiniões. "Era diferente antes dele. Ele faz com que as pessoas tenham que escolher um lado", afirma. Demoniza não só homossexuais, mas também opositores políticos e jornalistas.

O presidente usou e ampliou essa estratégia nas eleições de maio, o maior desafio eleitoral em suas duas décadas de poder. Acusou os partidos de oposição de serem "pró-LGBTQIA+", como se isso fosse um crime. Disse ainda que, "se o conceito de família não é forte, a destruição da nação se dá rapidamente" e afirmou que essa comunidade é como um "veneno injetado na instituição da família".

Dada a virulência do discurso político, as organizações da sociedade civil aguardam para ver se o governo vai tomar medidas concretas contra essa população. Há rumores de que os legisladores se preparam para modificar a Constituição para definir "família" como exclusivamente a união entre um homem e uma mulher, o que na prática abriria caminho para mais repressão.

"Se conseguirem fazer isso, estarão, na prática, escrevendo que as pessoas LGBTQIA+ são pervertidas", diz Ogulcan Yediveren, coordenador-geral do SPoD. Com base em Istambul, essa organização advoga pelos direitos da comunidade. "Estamos fazendo lobby e organizando protestos para impedir isso."

Yediveren relaciona o crescimento de discursos e práticas homofóbicas na Turquia a um processo global de fortalecimento de regimes de direita radical. Tem a ver, afirma, com certas maneiras de entender as expressões de gênero e de sexualidade.

Tektas, da ÜniKuir, diz algo semelhante, ao comparar a Turquia de Erdogan com a Rússia de Vladimir Putin e a Hungria de Viktor Orbán. "Eles aprendem uns com os outros."

Na Turquia, Tektas afirma que não sobrou muito mais da sociedade civil para o governo reprimir. "Os movimentos feministas e LGBTQIA+ são os únicos que você ainda vê nas ruas. Já não há tantas forças sociais." Daí vem a importância e a urgência do ativismo, visto que eles se enxergam como uma última fronteira contra uma tendência ameaçadora.

"Somos uma comunidade grande de pessoas seguras de si e seguras de suas identidades que resistem", diz Ceylan. "Sim, eles estão dificultando as nossas vidas. Só que vão perder. Nós não vamos voltar para dentro do armário nem desistir da nossa existência."


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