SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A Justiça britânica declarou ilegal o controverso projeto do governo de extraditar para Ruanda imigrantes que entrarem no país de forma irregular. Os magistrados alegaram que deficiências no sistema de asilo do país africano implicam "riscos reais" de que os refugiados sejam devolvidos aos seus países de origem e, assim, sofram perseguições políticas ou tratamentos desumanos.

A decisão é uma derrota para o governo do conservador Rishi Sunak, que tenta impor uma política linha-dura contra a imigração irregular ?ele disse que recorrerá da sentença. O projeto foi primeiro anunciado em abril do ano passado, durante a gestão de Boris Johnson, e também é defendido pelo atual premiê.

O plano consiste em enviar requerentes de asilo em situação irregular para Ruanda ?país africano a 7.000 km da ilha britânica com o 160º pior índice de desenvolvimento humano do mundo.

A iniciativa horrorizou a oposição e vários setores da sociedade, incluindo grupos de direitos civis e líderes religiosos, que a classificaram de desumana. A ONU e a Anistia Internacional também condenaram a proposta, e até mesmo o rei Charles 3º teria se oposto à iniciativa, descrevendo-a como "aterradora".

A justificativa do governo é que o projeto dificultaria a vida de organizações criminosas que praticam tráfico humano. Na prática, porém, ela é um aceno ao eleitorado do Partido Conservador, que se opõe a políticas de imigração, num momento em que o governo enfrenta inflação alta e seguidas greves.

A medida chegou a mobilizar um avião com a primeira leva de imigrantes há um ano. O voo, porém, foi cancelado a poucas horas da decolagem, após uma batalha na Justiça terminar com liminares impedindo as deportações. Desde então, o projeto estava paralisado, e o governo aguardava a decisão judicial.

Assim, três magistrados do Tribunal de Apelação de Londres revogaram nesta quinta-feira uma decisão anterior que considerava o plano legal. Na sentença, divulgada em setembro passado, os magistrados diziam que o projeto não fere nem a legislação de direitos humanos do país, estabelecida em 1998, nem a Convenção das Nações Unidas sobre Refugiados, de 1951, à qual a nação subscreve.

Agora, segundo os juízes, Ruanda não pode ser considerada um "terceiro país seguro", uma posição que foi acompanhada pela maioria no tribunal. "A menos e até que as deficiências de seus procedimentos de asilo sejam corrigidas, a expulsão de solicitantes de asilo para Ruanda será ilegal", diz trecho da decisão.

Neto de imigrantes indianos, Sunak protestou. O premiê disse que irá recorrer porque o governo do país africano apresentou as garantias necessárias ?Ruanda disse que segue "plenamente comprometida" com o acordo firmado. A ONG Human Rights Watch aproveitou a decisão para pedir novamente à ministra do Interior, Suella Braverman, que "abandone este sonho febril impraticável e contrário à ética".

Mais de 45 mil migrantes chegaram de maneira irregular à Inglaterra em 2022, crescimento de 60% na comparação com 2021. Desde o início de 2023, mais de 11 mil pessoas fizeram a travessia. O projeto de lei também vem sendo debatido no Parlamento e, para convencer os legisladores, o governo publicou na terça uma estimativa do impacto financeiro que o plano causaria.

O relatório destaca que o custo inicial de transferência de uma pessoa para um terceiro país seria de 169 mil libras (R$ 1,02 milhão), mas que seriam economizadas de 106 mil a 165 ml libras (R$ 644 mil a R$ 1 milhão) para cada refugiado que não permaneça no território britânico.

O documento admite, no entanto, que os números são "muito incertos".


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