BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Considerado guru do expansionismo da Rússia e um dos nomes mais proeminentes a favor da invasão da Ucrânia, o controverso filósofo russo Aleksandr Dugin publicou artigo no Brasil, convidado por militares, para defender a conflito no Leste Europeu como vetor para uma mudança na ordem mundial.
Ele ainda convocou o Brasil, por meio do Brics (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), a participar do processo de transformação do mundo --movimento que, segundo o pensador ultranacionalista, quebraria o que ele chama de globalismo e domínio econômico e cultural do Ocidente.
O texto foi publicado na última edição do Caderno de Estudos Estratégicos, da ESG (Escola Superior de Guerra), instituição ligada ao Ministério da Defesa.
Chamado de fascista devido a suas ideias ultranacionalistas, Dugin ganhou adeptos brasileiros que se dizem contra o globalismo. Ele próprio já participou de debates com Olavo de Carvalho, guru do bolsonarismo, morto em 2022.
Alguns dos admiradores de Dugin são militares, em boa parte da reserva, que passaram a compartilhar vídeos do filósofo em canais no YouTube. Foi nesse contexto que, segundo pessoas ligadas ao Ministério da Defesa disseram à reportagem, o russo foi chamado pela ESG para escrever o artigo na revista brasileira.
A iniciativa também ocorreu meses após uma palestra de Dugin no Rio de Janeiro, a convite da mesma instituição, ter sido cancelada. Oficialmente, falou-se em problemas de agenda para justificar o embaraço.
A publicação do artigo gerou críticas internas no Ministério da Defesa e na Escola Superior de Guerra. A avaliação, segundo relatos feitos à reportagem, é que Dugin é considerado fascista e não pode ser simplesmente apresentado como uma antítese aos críticos da Guerra da Ucrânia.
Em nota, o Ministério da Defesa disse que a publicação do artigo do filósofo ultranacionalista, com defesa da guerra contra a Ucrânia, tinha como objetivo "conhecer as realidades nacional e internacional".
"A escolha para a publicação de um artigo de Dugin, na edição de 2023, deu-se em razão desta edição ter buscado oferecer aos leitores várias percepções da crise russo-ucraniana, com autores de diferentes nacionalidades e visões distintas sobre o conflito", disse a pasta.
Dugin é um dos cinco autores dos artigos publicados na edição do Caderno de Estudos Estratégicos. Ele divide espaço com outros escritores, como Luis Bitencourt, professor de Segurança Internacional do William J. Perry Center for Hemispheric Defense Studies, dos Estados Unidos.
No texto, Dugin defende a tese de que os países considerados de segundo mundo devem se insurgir contra o domínio econômico e cultural das potências do Ocidente para criar o que ele chama de "Estado-Civilização". O ultranacionalista russo ainda relativiza conceitos como democracia e ditadura para afirmar que os países devem exercer soberania a sua própria maneira.
"Existem forças e padrões em ação no Estado-Civilização que a ciência política ocidental moderna não compreende. Eles não são redutíveis às estruturas do Estado nacional e não são apreendidos pela análise macro e microeconômica. Os termos 'ditadura', 'democracia', 'autoritarismo', 'totalitarismo', 'progresso social', 'direitos humanos' etc. não têm significado aqui ou requerem tradução fundamental", escreve.
Ele ainda diz que cada país deve ser soberano e possuir autoconsciência para defender "suas teorias de integração e projetos ambiciosos".
"A Rússia contemporânea chegou perto desse status, e a operação militar especial na Ucrânia [eufemismo russo para a guerra], acompanhada de sua retirada das redes globais, é uma das provas dessa vontade profunda e poderosa", escreve Dugin.
Para ele, a inação de países de segundo mundo contra a dominância do Ocidente teria, como "próximo passo lógico", a "declaração de um Governo Mundial".
"Muitas vezes (mas nem sempre) a mudança da ordem mundial ocorre por meio de guerras --incluindo guerras mundiais. A construção de um mundo multipolar, infelizmente, também passará por guerras. Se as guerras como tais não podem ser evitadas, é possível limitar seu alcance, determinar suas regras e estabelecer suas leis", conclui.
A Guerra da Ucrânia, para Dugin, é resultado dos esforços de Moscou para evitar que a identidade ocidental seja imposta a toda a população da Ucrânia --especialmente em regiões como a Crimeia, cuja população é majoritariamente russa.
"A verdade é que o leste e sul da Ucrânia têm uma população com uma história e identidade cultural completamente diferentes. A Ucrânia é o típico Estado falido pós-soviético, artificial e que nunca existiu antes de 1991. O sul e o leste são pró-Rússia, antifascistas e fortemente pró-soviéticos. Sua população pertence ao mundo russo e à civilização eurasiana", disse Dugin à Folha de S.Paulo em entrevista em 2014.
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