SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A ditadura da Nicarágua oficializou, nesta quarta-feira (5), a subordinação completa da Polícia Nacional ao regime. A corporação do maior país centro-americano deixará de ter "natureza civil" para ser apenas um corpo armado "subordinado ao presidente da República" do qual desertores poderão ser presos.
As mudanças propostas na véspera pelo ditador Daniel Ortega foram aprovadas sem surpresas na Assembleia lotada de correligionários do líder -mais de 83% das cadeiras do Legislativo são ocupadas por membros da FSLN (Frente Sandinista de Libertação Nacional).
Foram dois os textos alterados. Na Constituição, deixa de constar que a polícia tem "natureza civil" e é "profissional, apolítica, apartidária, obediente e não deliberante" -agora, lê-se que a corporação é subordinada ao líder e dependente de sua autoridade. O segundo documento alterado é a lei 872, que versa sobre a organização e as funções da polícia. Nele adicionaram artigos que determinam a prisão por até três anos do agente que descumprir seus deveres ou desertar.
A iniciativa parece evidenciar a desconfiança do regime em seus agentes de segurança. De acordo com a imprensa local, a polícia passou por uma série de mudanças em seus comandos no início de junho para garantir o controle de Ortega sobre a tropa. Embora o número de renúncias ao cargo não seja público, especula-se que houve aumento nos últimos meses.
Um dos últimos casos que veio a público foi o de María de Jesús Guzmán Gutiérrez, policial que ocupava um cargo de chefia na cidade de Matagalpa e era fundadora da FSLN, de acordo com a sufocada mídia independente do país.
A descrição anterior da instituição de segurança na legislação se chocava há muito com as práticas repressivas do regime, especialmente após 2018, quando protestos contra uma reforma da Previdência promoveram uma guinada autoritária na Nicarágua. Ao menos 355 pessoas foram mortas naquela onda de manifestações, segundo a CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos).
Desde então, os movimentos sociais e a oposição foram cada vez mais sufocados no país. No final de 2020, o governo aprovou um conjunto de leis para punir quem veiculasse o que o regime considerasse notícia falsa, bloquear doações internacionais a órgãos da sociedade civil e eliminar da corrida eleitoral os chamados "traidores da pátria" -guarda-chuva em que cabe qualquer crítico da ditadura.
Mais recentemente, quem se encaixa nesse conceito passou a ser expulso do país e ter a sua nacionalidade retirada. Em fevereiro deste ano, o ditador deixou, em uma só leva, 222 presos políticos apátridas após libertá-los e colocá-los em avião rumo aos Estados Unidos, e repetiu a estratégia com dezenas de outros críticos nos meses que se seguiram.
Porém, após a simbólica libertação de estudantes, ativistas e até mesmo ex-companheiros do levante que derrubou a ditadura da dinastia Somoza no século 20, Ortega não afrouxou a repressão. De acordo com o jornal Confidencial, mais de 20 nicaraguenses voltaram a encher as celas do regime apenas nos dez primeiros dias de abril deste ano -período coincidente com a Semana Santa, durante a qual foram proibidas procissões em alguns lugares do país.
As medidas são parte da cruzada que o líder empreende contra a Igreja Católica. Há anos religiosos nicaraguenses sofrem com fechamento de rádios católicas, assédio policial em celebrações e prisão de sacerdotes.
A face mais conhecida dessa repressão é o caso do bispo Rolando Álvarez, libertado na segunda-feira (3). Ele estava detido desde agosto passado, quando foi capturado na diocese de Matagalpa, uma das mais atingidas pela ditadura. Em fevereiro, o líder religioso foi transferido para uma cela de segurança máxima após ser privado de sua cidadania e sentenciado a 26 anos e quatro meses de cadeia.
Um dia antes da condenação, ele recusou-se a embarcar no avião com destino aos EUA junto com os outros 222 exilados políticos. Caso o religioso se recuse novamente a deixar o país, ele pode voltar à prisão, disse uma pessoa ouvida pela agência de notícias Reuters.
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