BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS) - Introduzido na Alemanha para diminuir a circulação de automóveis e estimular o uso do transporte público, o bilhete único no país europeu representa um avanço na política climática local, mas também expõe problemas da malha ferroviária, que precisa ser expandida para convencer mais pessoas a abrir mão do carro.
O Deutschlandticket, ou "Bilhete Alemanha", é uma assinatura mensal de EUR 49 (R$ 260) que permite viagens ilimitadas em todas as cidades do país para qualquer meio de transporte público, como metrô, ônibus ou bonde, bem como trens regionais. Trens de longa distância ou de alta velocidade, entretanto, não estão incluídos no pacote.
A medida é resultado de uma longa negociação interna entre os partidos da coalizão do primeiro-ministro Olaf Scholz, com o Partido Social-Democrata --do líder alemão-- e os Verdes de um lado e o Partido Liberal, mais à direita e pró-automóveis, do outro.
Como parte de um pacote de medidas aprovado durante a pandemia de Covid, o governo subsidiou os custos de combustíveis por alguns meses, o que gerou críticas de que o dinheiro poderia ser melhor utilizado para estimular o transporte público. Como compensação, lançou também por tempo limitado uma passagem nos mesmos moldes da atual, mas que custava apenas EUR 9 (R$ 48) por mês.
Válido pelos três meses do verão de 2022 no Hemisfério Norte (junho, julho e agosto), o bilhete com esse valor foi usado por 52 milhões de alemães e economizou 1,8 milhão de toneladas de CO2, de acordo com cálculos da União de Empresas de Transporte Alemãs (VDV).
A medida também estimulou o turismo interno --o tráfego na malha ferroviária de cidades do interior e de destinos turísticos aumentou 80%. O sucesso engatilhou discussões sobre prolongar a medida, que por sua vez levaram à criação do Bilhete Alemanha.
"Essa não é a medida que vai trazer toda a mudança na política de transportes, mas é uma peça do quebra-cabeça", diz Barbara Lenz, professora do Instituto de Geografia da Universidade Humboldt, em Berlim. "E essa peça facilita o acesso ao transporte público e traz à tona a discussão sobre a expansão da rede."
O objetivo original do bilhete único alemão é diminuir o número de automóveis em circulação, e Lenz estima que algo entre 6% e 10% dos motoristas devem passar a usar o transporte público para ir ao trabalho todo dia em vez de pegar o carro nos próximos anos.
"A estratégia funciona, mas provavelmente não funciona rápido o bastante para que a Alemanha alcance os seus objetivos climáticos na área do transporte até 2030", afirma a pesquisadora. De acordo com uma lei aprovada em 2019, o país precisa reduzir suas emissões no setor em 49% em dez anos.
O próprio transporte ferroviário também não é completamente livre de emissões, diz Lenz. "Cerca de 40% da rede ainda não é eletrificada e depende de locomotivas a diesel. E mesmo a eletrificação só é verde se a matriz energética do país for verde." De acordo com a Agência de Estatísticas do governo federal, 46% da rede elétrica da Alemanha foi alimentada por fontes renováveis em 2022.
"E precisamos nos perguntar: eletrificar o resto da rede é a estratégia correta, ou é melhor investir em combustíveis alternativos, como trens movidos a hidrogênio?". Dois trechos no país já utilizam a nova tecnologia, introduzida em 2022.
Para Lenz, a capacidade da malha ferroviária de absorver a demanda que o governo pretende criar vai depender de investimentos na expansão do transporte público nos próximos cinco anos.
O Bilhete Alemanha entrou em vigor em 1º de maio e já foi comprado por 7 milhões de pessoas, de acordo com a VDV. A EUR 49, ele é bem mais barato do que assinaturas mensais oferecidas pelas empresas locais. Em Berlim, por exemplo, um bilhete que dá direito a transporte ilimitado em todo o município custa EUR 88 (R$ 470) por mês.
Na capital alemã, a Companhia de Transportes Berlinense diz que ganhou 85 mil novos clientes, enquanto 465 mil pessoas trocaram das assinaturas mais caras para o Bilhete Alemanha desde que ele foi criado.
Para que as empresas não percam dinheiro nessa troca, o governo investiu EUR 3 bilhões (R$ 15 bilhões) para subsidiar os custos. Mas especialistas estimam que esse valor pode atingir EUR 5 bilhões até o fim do ano, e as empresas já contam com um aumento no preço do bilhete.
"Governo e estados entraram em acordo, então não haverá aumentos pelo primeiros dois anos", diz o porta-voz da VDV, Lars Wagner. "Mas, depois disso, uma de duas coisas vai ter que acontecer: ou subimos o preço do bilhete, ou o governo aumenta o subsídio dos custos."
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