SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Protestando desde o início do ano, os israelenses saíram mais uma vez às ruas nesta segunda-feira (25) contra a proposta de reforma judicial que, afirmam eles, ameaça a democracia no país.

Mas desta vez, e ao contrário do que houve em março, quando uma mobilização histórica fez o governo recuar, a pressão não foi suficiente para impedir que o projeto avançasse, e a primeira lei do pacote que busca limitar o poder do Judiciário foi aprovada pelo Parlamento por 64 votos a zero.

Todos os 56 membros da oposição boicotaram a votação, e alguns dos legisladores gritaram "vergonha!" ao abandonar o plenário. Minutos após a aprovação, tanto um grupo de congressistas quanto uma organização independente anunciaram que entrariam com um recurso contra o projeto na Suprema Corte.

A regra em questão extingue o conceito jurídico do "padrão de razoabilidade", usado por tribunais israelenses ao julgar que determinado ato do governo não levou em conta todos os aspectos relevantes para aquela discussão ou deu peso exagerado a alguns deles e minimizou outros. Sua ambiguidade motivava debates políticos e jurídicos que datam de muito antes da proposta da reforma judicial.

Críticos da mudança ?que atua no nível das "leis básicas", isto é, como um texto constitucional? defendem que a extinção da figura jurídica dá margem a excessos do Legislativo, o que preocupa a oposição, dada a natureza ultranacionalista e religiosa da coalizão hoje no poder, a mais à direita da história de Israel.

Mais importante para os ativistas, porém, é o fato de que essa é a primeira de uma série de propostas para limitar o Judiciário ?outros pontos da reforma propõem aumentar a influência do governo na nomeação de juízes ou impedir que o Supremo vete leis chanceladas pelo Parlamento. Assim, a aprovação desta segunda seria o começo de uma ofensiva que removeria contrapesos nos quais a democracia se baseia.

Os defensores da nova lei, por sua vez, afirmam que o Judiciário tem outras ferramentas para contestar decisões daqueles que foram eleitos democraticamente e argumentam que a reforma impõe à atuação dos tribunais um limite há muito necessário para restaurar o equilíbrio entre os Poderes.

Foi esse, aliás, o tom da declaração do ministro da Justiça do país, Yariv Levin, após a aprovação. "Demos o primeiro passo de um processo histórico para consertar nosso sistema judicial", disse ele.

Segundo o Canal 12, o premiê israelense, Binyamin Netanyahu, chegou a fazer uma última tentativa para chegar a um acordo com a oposição já no Parlamento, enquanto corria a votação. Bibi, como é conhecido, havia recebido alta do hospital naquela mesma manhã, após ser submetido a uma cirurgia emergencial para implantar um marca-passo no fim de semana.

No governo, o esforço para dissuadi-lo de seguir com a reforma era encabeçado pelo ministro da Defesa, Yoav Gallant, o mesmo que, em março, foi demitido por criticar a ideia ?a decisão acabou revertida.

Ainda segundo a rede, porém, tanto Levin, colega de legenda de Netanyahu, quanto Itamar Ben-Gvir, ministro da Segurança Interna e um dos membros mais radicais de sua coalizão, opunham-se a qualquer acordo e ameaçaram dissolver a base que sustenta o primeiro-ministro se o projeto não passasse nesta segunda.

O jornal Times of Israel narra ainda que a oposição entre Bibi e a linha-dura de seu governo teria ficado clara no momento da votação. Enquanto o premiê saiu do Parlamento logo após após a aprovação, Levin seguiu lá, fazendo selfies comemorativas e, aparentemente, levando o crédito na coalizão pela vitória.

Já Netanyahu tentou adotar um tom conciliador em discurso à noite na TV. Afirmou que haveria muito tempo para alcançar um amplo consenso quanto às demais etapas da reforma judicial ?ele se referia ao longo recesso que o Parlamento tira em agosto e setembro, quando não costuma haver votações gerais.

Por ora, no entanto, o estado da sociedade israelense é de fragmentação. A oposição considera a convocação do premiê ao diálogo vazia, já que os demais membros do governo já rejeitaram qualquer tentativa de acordo, e acusa o experiente político de servir de fantoche para seus correligionários.

Nas ruas, a aprovação da lei amplificou ainda mais os protestos iniciados ainda no sábado. Manifestantes bloquearam rodovias em Tel Aviv, Haifa e Jerusalém, cidade no centro da disputa histórica com os palestinos, e a polícia atacou ativistas com canhões d?água. À noite, um carro atropelou um grupo que protestava em uma cidade na região central do país, e alguns deles sofreram ferimentos leves.

Arnon Bar-David, líder do Histadrut, confederação sindical que reúne centenas de milhares de funcionários públicos, afirmou que se reuniria com chefes de outras organizações laborais para discutir a possibilidade de uma greve geral, e a associação de médicos anunciou uma greve de 24 horas devido à aprovação da lei.

Antes mesmo do início da votação, cerca de 150 das maiores empresas do país também anunciaram paralisações, e dois de seus principais bancos, Leumi e Hapoalim, divulgaram que não puniriam funcionários que decidissem faltar ao trabalho para comparecer aos atos.

As Forças Armadas também se juntaram ao coro dos descontentes. No final de semana, cerca de 10 mil reservistas afirmaram que cruzariam os braços caso a reforma avançasse, juntando-se a outros 1.142 reservistas da Força Aérea que ameaçaram abandonar seus deveres de serviço voluntário.

Em Israel, aqueles que serviram em unidades especiais em geral continuam a cumprir suas funções quando vão para a reserva. Por isso, o movimento preocupa ?cerca de metade das equipes enviadas para missões de combate, por exemplo, é de reservistas voluntários. Netanyahu apelou a esses militares, um pilar da sociedade local, em seu discurso. "Somos um país, um lar, um povo."

Uma última questão ainda assombra o avanço da reforma: seu possível impacto nas relações de Israel com seu maior aliado no exterior, os EUA. Desde o anúncio da reforma, na virada do ano, o presidente Joe Biden critica abertamente o projeto, e em várias ocasiões urgiu Bibi a adotar postura mais conciliadora.

Por meio de sua porta-voz, o democrata afirmou que continuará a pressionar por um amplo consenso entre os políticos israelenses em torno da iniciativa. Já o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional americano foi mais enfático, dizendo que Washington considerou a ratificação do projeto "uma infelicidade". "Acreditamos que é preciso construir um consenso para promover grandes mudanças na democracia. Instamos os líderes de Israel a trabalhar nesse sentido."


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