LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) - O papa Francisco reconheceu indiretamente os escândalos de abuso sexual na Igreja Católica ao falar sobre a necessidade de acolher e escutar as vítimas de sofrimento nesta quarta-feira (2), primeiro dia de sua viagem a Portugal para participar da JMJ (Jornada Mundial da Juventude).
O relatório de uma comissão independente revelou, em fevereiro, que pelo menos 4.815 menores foram abusados sexualmente por membros da instituição no país desde 1950. O grupo destacou que as cifras são conservadoras e representam apenas "a ponta do iceberg" em relação aos casos.
Ao comandar uma celebração dirigida a membros do clero no mosteiro dos Jerônimos, o pontífice comentou a "a desilusão e a aversão" que muitas pessoas nutrem pela Igreja Católica.
Essa atitude seria devido "às vezes, ao nosso mau testemunho e aos escândalos que desfiguraram o seu rosto [da igreja] e que nos chamam a uma humilde e constante purificação, partindo do grito de sofrimento das vítimas que sempre se devem acolher e escutar".
Na mesma cerimônia, falando antes do papa, o bispo de Leiria-Fátima, José Ornelas Carvalho, já havia feito menção ao tema. "Prometemos a nossa atenção à defesa do bem das crianças e ao compromisso de defendê-las de toda a espécie de abusos", afirmou o religioso, que foi o responsável por encomendar a investigação à comissão independente.
O papa deve ter um encontro reservado, em data e local que não serão divulgados, com algumas das vítimas de abusos por membros da Igreja Católica. A reunião não consta na agenda oficial, mas foi confirmada por representantes da JMJ.
Críticos têm, no entanto, cobrado ações mais concretas, como o anúncio de reparações financeiras às vítimas e a construção de um memorial para elas.
Em uma campanha impulsionada nas redes sociais, um grupo angariou fundos para instalar três outdoors destacando a violência sexual perpetrada por membros da igreja contra menores de idade.
Um dos outdoors foi colocado na avenida Almirante Reis, uma das vias mais movimentadas da cidade, em frente a um dos palcos em que acontecem shows e eventos paralelos à JMJ. Escrita em inglês, em letras gigantes, a mensagem diz que houve "4.800 crianças abusadas pela Igreja Católica em Portugal". Uma imagem ao lado do texto mostra 4.815 pontos, cada um representando uma das vítimas.
Horas depois de ser afixado, um dos cartazes já havia sido removido. Já a mensagem instalada no município de Oeiras, por onde Francisco também passará nesta semana, foi retirada pela Câmara Municipal local, o equivalente à Prefeitura em Portugal. As autoridades municipais alegaram que o anúncio "desrespeitava as leis de publicidade" do país.
Com previsão de atrair cerca de 1 milhão de pessoas a Lisboa, a Jornada Mundial da Juventude, tem amplo apoio da classe política de Portugal, onde 80,2% da população se declara católica segundo o censo de 2021.
Não por acaso, o primeiro dia do papa no país foi dominado por eventos com políticos. Depois de sobrevoar a capital lusa num avião escoltado por dois caças F-16, Francisco foi recebido com honras militares pelo presidente Marcelo Rebelo de Sousa no Palácio de Belém, sede do Executivo federal.
Após a reunião com o chefe de Estado, o pontífice participou de encontro com políticos, membros do corpo diplomático e representantes da sociedade civil. Ao fim da tarde, ele se reuniu com o premiê, António Costa.
Andando com dificuldades, Francisco tem usado cadeira de rodas em seus deslocamentos. Ainda assim, o argentino tem participação confirmada em 19 cerimônias, e tem discursos programados em vários delas.
O primeiro deles desde a sua chegada ocorreu no palco do Centro Cultural de Belém. Falando a uma plateia lotada, o papa voltou a criticar injustiças sociais e discorreu sobre a crise migratória e o aquecimento global. Pediu ainda mais empenho dos países europeus na busca pela paz.
"Como podemos dizer que acreditamos nos jovens se não damos a eles um espaço sadio para construir o futuro? A falta de trabalho, os ritmos frenéticos em que se veem imersos, o aumento do custo de vida, a dificuldade em encontrar uma casa e, mais preocupante, o medo de constituir família e trazer filhos ao mundo."
Francisco, para quem o planeta vive um "momento tempestuoso", questionou as políticas migratórias da Europa e pediu mais ação dos políticos do Ocidente. "Para onde navegais, Europa e Ocidente, com o descarte dos idosos, os muros de arame farpado, as mortandades no mar e os berços vazios?"
Milhares de peregrinos lotaram a região de Belém, à margem do rio Tejo, para acompanhar esses primeiros compromissos do papa em Portugal. Com a maior parte do perímetro isolado por grades de segurança, os fiéis que ficaram na área próxima ao pontífice precisaram madrugar para assegurar seus lugares.
Natural da Tanzânia, Joseph Elias, 25, conta que chegou ao local por volta das 4h. "Valeu a pena. O papa tem uma mensagem inspiradora de amor e fé. Ficar perto dele pode nos transformar." Ao lado dele, jovens da Guatemala faziam uma batucada que contagiou outros fiéis com o refrão "esta é a juventude do papa".
Antes de se recolher para almoçar, Francisco cumprimentou fiéis que o aguardavam. Na manhã de quinta-feira (3), ele visitará a Universidade Católica, onde se reunirá com estudantes e membros de uma organização católica. No fim da tarde, comandará a primeira cerimônia oficial na JMJ, num dos palcos principais do evento.
Na sexta (4), o papa tem mais uma maratona de compromissos e encontros, incluindo um período em que participará da confissão de jovens inscritos na jornada. No sábado (5), ele fará uma breve viagem ao santuário de Fátima. Após rezar o terço com jovens doentes, o papa comandará o início da vigília.
O argentino despede-se de Portugal no domingo (6), após celebrar uma missa e participar da cerimônia de encerramento, na qual será anunciada a próxima cidade a sediar a JMJ.
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