SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A junta militar que tomou o poder no Níger acusou a França nesta quarta (9) de violar o bloqueio do espaço aéreo e de libertar terroristas, em referência a jihadistas armados. As declarações, refutadas por Paris, reforçam o componente anti-França no movimento da antiga colônia do país europeu.

As acusações acontecem no dia em que o golpe no país africano completa duas semanas e na véspera de um encontro do Cedeao (Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental) na capital da Nigéria, Abuja. A reunião extraordinária do bloco vai discutir a mais recente de uma série de crises políticas na região e, ao que tudo indica, priorizar saídas diplomáticas.

O coronel da Força Aérea Amadou Abdramane, um dos conspiradores, foi à televisão nesta quarta afirmar que um avião militar francês decolou durante a manhã e "cortou deliberadamente todo o contato com o controle aéreo" ao entrar no espaço nigerino. A cúpula militar, por sua vez, alegou que terroristas libertados pela França teriam participado de uma reunião para planejar um ataque contra posições militares na zona fronteiriça de Níger, Burkina Fasso e Mali.

O Ministério das Relações Exteriores da França, porém, negou as acusações.

As declarações tem o potencial de avivar ainda mais o sentimento antifrancês dos apoiadores da junta. Em comícios na capital, Niamey, é comum ver bandeiras da Rússia, e alguns participantes descrevem a situação como uma batalha patriótica para manter a independência diante da interferência imperialista.

Os últimos acontecimentos aumentam a pressão na região, que enfrentou diversas rupturas institucionais nos últimos anos. Dos 15 países-membros da Cedeao, quatro estão suspensos devido a golpes militares ?Guiné, Burkina Fasso, Mali e, mais recentemente, Níger.

O bloco afirmou que não toleraria novas derrubadas de governos na região e deu um ultimato aos militares nigerinos para que devolvessem o poder ao presidente eleito, Mohamed Bazoum, em prisão domiciliar desde 26 de julho. O seu partido disse que o líder e sua família estão sendo mantidos em condições "cruéis" e "desumanas" em sua residência, sem água corrente, sem eletricidade e sem acesso a alimentos frescos ou médicos.

Na madrugada desta quarta, a Cedeao divulgou um comunicado se colocando à disposição "para garantir o retorno à ordem constitucional no Níger", sem descartar uma intervenção militar. O uso da força é mencionado desde os primeiros dias pós-golpe, quando o bloco escolheu o último domingo (6) como data-limite para retomar a normalidade ?prazo ignorado pela junta.

Um novo elemento foi adicionado à crise nesta quarta, quando um ex-líder rebelde e político no Níger lançou um movimento de oposição à cúpula militar ?o primeiro sinal de resistência interna ao Exército após apoiadores do presidente eleito serem dispersos com tiros de advertência em uma manifestação no dia do golpe. Rhissa Ag Boula disse em um comunicado nesta quarta que seu novo Conselho de Resistência para a República (CRR) pretende restabelecer o presidente Bazoum.

"O Níger é vítima de uma tragédia orquestrada pelas pessoas encarregadas de protegê-lo", disse a nota, acrescentando que o CRR usará "todos os meios necessários" para deter os militares. De acordo com a declaração, o conselho apoia a Cedeao e quaisquer outros atores internacionais que busquem acabar com o domínio do Exército no Níger.

O novo opositor desempenhou um papel de liderança nas revoltas dos tuaregues, um grupo étnico nômade presente no norte do país, nas décadas de 1990 e 2000. Como muitos ex-rebeldes, ele foi integrado ao governo na gestão do ex-presidente Mahamadou Issoufou.

Embora a extensão do apoio ao CRR não seja clara, a declaração de Ag Boula deve preocupar os líderes do golpe, dada a sua influência entre os tuaregues, que controlam o comércio e a política em grande parte do norte. O apoio da etnia seria fundamental para garantir o controle da junta além dos limites da capital.

Um eventual aumento das represálias internacionais, que já causam apagões no Níger, também pode colocar os líderes militares em alerta. Nesta quarta, os países da União Europeia começaram a se programar para impor as primeiras sanções contra membros da junta, disseram fontes do bloco à agência de notícias Reuters nesta quarta. Desde o início do golpe, o Níger já sofreu sanções da Cedeao e viu as ajudas financeiras da Europa e dos EUA, essenciais a um dos países mais pobres do mundo, diminuírem.

O empenho internacional na normalização democrática do Níger reflete a importância geopolítica do país africano, que tem importantes reservas de urânio e petróleo e abriga cerca de 1.500 soldados franceses e mil soldados americanos empenhados no combate aos jihadistas na região do Sahel.


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