SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Vitorioso imprevisto das primárias da Argentina no último domingo (13), o ultradireitista Javier Milei conseguiu conquistar municípios com salários altos no país, mas ainda vai ter que brigar nos locais com remunerações médias e baixas se quiser levar as eleições presidenciais em outubro.

A Liberdade Avança, coalizão em que o político concorria como o único pré-candidato, ganhou em 14 dos 19 municípios cujos habitantes têm um salário médio maior que 460 mil pesos argentinos (cerca de R$ 6.500, na cotação atual) --ou seja, mais de 73% deles.

Enquanto isso, a direita tradicional, representada pela frente Juntos por el Cambio, foi vencedora em 21% dessas cidades. Os peronistas da União pela Pátria, por sua vez, ganharam em apenas um desses locais.

O cenário se inverte em municípios em que os ganhos médios são menores que 230 mil pesos (ou R$ 3.200). Nesses lugares, foi a esquerda tradicional peronista a vitoriosa, levando 73% dos 93 municípios classificados dentro dessa faixa. Milei conquistou 23 deles, ou 24%. Já a Juntos por el Cambio ganhou em apenas duas das cidades.

Ao que tudo indica, a disputa vai ocorrer nos municípios cujos ingressos médios estão entre esses dois valores, que são a maioria -392. Nesses, Milei larga na frente, tendo obtido a maioria dos votos em 41% dos locais, enquanto a União pela Pátria levou 30%, e o Juntos por el Cambio, 29%.

Com 97,4% das urnas apuradas, A Liberdade Avança recebeu ao todo 30% dos votos. A Juntos por el Cambio angariou 28,3% deles e a governista União pela Pátria, 27,3%.

Para a cientista política Maria Laura Tagina, pesquisadora da Universidade Nacional de San Martín, mesmo o desempenho relativamente pior de Milei nos municípios de salários mais baixos representam uma vitória para o ultradireitista.

"Ele não perdeu nada", diz ela, que diz enxergar um apoio transversal ao político na Argentina. "Ele só ganhou, já que incrementou seu apoio eleitoral em municípios de todos os níveis de salários."

Tagina afirma que o grande motor do candidato famoso pelos cabelos bagunçados é, no entanto, o fracasso das outras duas coalizões. A Argentina sustenta uma inflação acima dos três dígitos e acumula déficits fiscais há mais de dez anos -período que engloba o atual governo, representado pela esquerda peronista da União pela Pátria, e o anterior, de Mauricio Macri, que apoia a Juntos por el Cambio.

"Com um discurso muito simplista, aos gritos, ele conseguiu representar quase teatralmente essa raiva dos eleitores", afirma a cientista política. Ela cita, por exemplo, o desempenho de Milei no TikTok, rede social de vídeos na qual teria angariado o apoio dos jovens.

Seus votos, porém, parecem pouco programáticos, já que observa-se pouca adesão às suas ideias. Em linhas gerais, o deputado propõe a dolarização da economia do país, o enxugamento do Estado e uma onda de privatizações. Iniciativas mais radicais incluem eliminar o Banco Central da Argentina e permitir a venda de órgãos -a última, abandonada após sua repercussão negativa na imprensa e entre o eleitorado.

"É preciso olhar com algum ceticismo para esse apoio a Milei, porque é um voto contra o peronismo. Para além das imprecisões que as pesquisas possam ter, não observamos muito apoio da população às políticas que ele propõe", afirma Ernesto Calvo, professor de ciência política na Universidade de Maryland.

"Milei capturou o voto de quem está desencantado com o peronismo e com a direita tradicional", continua ele. Por isso, há dúvidas se seus eleitores se manterão fieis até outubro, quando ocorrerá o primeiro turno das eleições.

De toda forma, as primárias já mudaram o equilíbrio de forças no país vizinho ao incluir uma terceira força além do peronismo e do antiperonismo. A principal missão de Patricia Bullrich, da Juntos por el Cambio, e de Sergio Massa, do União pela Pátria, é capitalizar os votos que foram para seus adversários de chapa, Horacio Larreta e Juan Grabois, respectivamente.

Também têm como desafio tentar aumentar o entusiasmo dos argentinos em relação às eleições até outubro. A taxa de participação das primárias deste ano foi a mais baixa desde que a etapa foi implementada, em 2011. Apenas 70% do total de eleitores compareceram às urnas neste domingo, ou seis pontos percentuais a menos do que os 76% presentes em 2019.


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