SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O Kremlin manteve acesa a chama da pira de teorias conspiratórias em torno da morte anunciada do líder do grupo mercenário Wagner, Ievguêni Prigojin, ao dizer que a confirmação oficial do destino do antigo aliado de Vladimir Putin só será feita após a realização de exames genéticos.
O porta-voz Dmitri Peskov também rebateu a acusação de que Putin mandou matar na quarta (23) o ex-aliado, que liderou um motim contra a cúpula militar e constrangeu o russo há dois meses. "Há muita especulação em torno deste acidente de avião e as trágicas mortes dos passageiros, incluindo Ievguêni Prigojin. É claro que, no Ocidente, tudo isso é apresentado por um ângulo conhecido", afirmou.
Putin havia feito um pronunciamento citando a morte na quinta (24), no qual apresentou condolências e disse que Prigojin havia "cometido sérios erros". Nesta sexta (25), Peskov foi questionado por repórteres se havia enfim uma confirmação oficial da morte.
"O presidente disse que todos os testes necessários, incluindo genéticos, serão feitos agora. Os resultados oficiais serão publicados assim que eles estiverem prontos para serem publicados", afirmou.
É uma obviedade na prática, mas se encaixa na opacidade que acompanhou a vida de Prigojin, um ex-presidiário e vendedor de cachorro-quente que ascendeu na Rússia pós-comunista e virou um protegido do presidente encarregado de ações mercenárias, só para cair em desgraça.
Em 2019, Prigojin foi dado como morto após um avião em que supostamente estava cair na República Democrática do Congo, um dos vários países africanos em que prestava serviços com seu grupo. Ele reapareceu três dias depois, no melhor estilo Jesus Cristo.
A queda do jato executivo Embraer Legacy 600 pertencente a Prigojin na quarta, num curto voo entre Moscou e São Petersburgo, parece contudo ser mais tangível em termos de resultado. Além de o nome do mercenário estar no manifesto de passageiros, seu telefone celular foi encontrado nos destroços, segundo o canal afiliado ao Wagner no Telegram Greyzone.
Além disso, o canal e outros meios próximos do líder confirmaram seu desaparecimento. Aqui entra a teoria conspiratória mais interessante na praça, contudo: a de que Prigojin quis simular sua morte para não acabar morto ?seja por Putin, pela Ucrânia que ele atacou brutalmente com suas forças, pela cúpula militar russa ou algum cliente insatisfeito.
Há um elemento chave para a teoria: um segundo jato da Embraer, também pertencente ao Wagner, estava em voo na mesma rota quando o incidente ocorreu sobre a região de Tver, 160 km a noroeste de Moscou. Segundo dados impreciso de sistemas de monitoramento de voo na internet, ele deu meia-volta rumo à capital e não mais foi visto.
O mistério do segundo jato pode nunca ser confirmado. É sabido que Prigojin fazia alguns membros do Wagner adotarem seu nome e sobrenome para disfarçar, em documentos, suas movimentações pelo mundo.
Quando a polícia russa invadiu seu palacete em São Petersburgo depois do motim encerrado em 24 de junho, expôs à TV uma série de fotografias achadas dele em disfarces bastante cômicos, como um registro dele se passando por oficial líbio, com uma vasta barba.
A questão é que, mesmo que o Kremlin apresente exames definitivos de DNA, a secular tradição russa de desconfiar da versão oficial dos fatos deverá prosperar, não menos porque um mistério é sempre mais atraente do que a realidade.
Por isso, mesmo a batalha de Peskov contra a acusação de que Putin se livrou do incômodo ex-aliado, se sincera, é infrutífera. Nesta sexta, ele lembrou que não é a primeira vez que tem de defender o chefe desse tipo de alegação ?há uma longa lista de desafetos do presidente que ou foram mortos, ou morreram em circunstâncias nebulosas.
"Tudo isso é uma mentira absoluta, e quando você está cobrindo isso, é necessário se basear em fatos. Não há muitos fatos ainda. Eles precisam ser estabelecidos no curso das ações investigativas", afirmou.
A apuração da queda poderia envolver a Embraer, que de todo modo não prestava serviço à aeronave desde que ela entrou numa lista de sanções americanas em 2019. Só que a Rússia ainda não fez uma comunicação, que deveria ser de praxe, ao governo brasileiro pedindo a assistência.
O Legacy 600 é um avião muito seguro, e este foi o primeiro incidente com mortos a bordo de um desses modelos em mais de 20 anos de uso e quase 300 unidades fabricadas. Antes, um jato comprado por americanos abalroou no ar um Boeing-737 da Gol em 2006, causando a queda do avião comercial e a morte de 154 passageiros ?o Legacy conseguiu pousar.
O padrão de voo registrado no site Flightradar24 na quarta mostrou que o avião passou por instabilidade no ar por 32 segundos e depois caiu verticalmente. Um vídeo de celular mostrou esses momentos finais, com o aparelho aparentemente tendo uma de suas asas ainda parcialmente intacta, o que o fez girar no ar antes do mergulho final.
O Pentágono afirmou que, ao contrário do que disseram canais pró-Wagner, não há evidência de emprego de mísseis antiaéreos no episódio. O porta-voz militar não detalhou, mas os EUA podem dizer isso porque monitoram lançamentos de mísseis na Rússia, principalmente naquela região próxima das fronteiras com os Estados Bálticos e a Finlândia, integrantes da aliança Otan.
Pelos parâmetros disponíveis, tudo sugere uma explosão a bordo do Legacy, ou algum outro evento catastrófico. Além de Prigojin, foram dados como mortos seu número 2 no Wagner, Dmitri Utkin, e mais oito pessoas.
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