SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Países da Ásia Central têm sido empregados para triangular exportações de Estados Unidos, Alemanha, França e Reino Unido, entre outros, para a Rússia, burlando as sanções aplicadas a Moscou desde o início da guerra contra a Ucrânia, em fevereiro do ano passado.
A estratégia envolve também países menores, como Polônia e Lituânia, e foi captada pelo Institute of Internacional Finance (IIF), que reúne cerca de 400 instituições financeiras no mundo, a partir de levantamento das vendas externas de 24 países.
Os dados revelam que, enquanto os embarques diretos à Rússia de muitos países ocidentais despencaram após o início do conflito, houve um boom de vendas para Armênia, Azerbaijão, Cazaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão, Turcomenistão e Uzbequistão, entre outros.
A estratégia é crucial para Moscou e a economia russa. A mobilização de matérias-primas, bens intermediários e produtos como semicondutores para a guerra tem derrubado a produção de indústrias do setor civil, pressionado a inflação e a desvalorização do rublo frente a moedas estrangeiras.
No último dia 15, o banco central russo aumentou abruptamente em 3,5 pontos percentuais, para 12% ao ano, a taxa básica de juro no país. Além de tentar esfriar a inflação, o objetivo é conter a saída de recursos e estimular que pessoas físicas e empresas russas mantenham rublos em aplicações, em vez de se proteger em dólares.
Por outro lado, a economia russa segue aquecida devido à explosão de gastos militares, alimentando a inflação. Em termos anualizados, a variação de preços no país fechou o primeiro semestre em 7,6%.
Categorias de produtos voltadas aos militares, como artigos em metal e ópticos, além de vestuários especiais, cresceram significativamente no primeiro semestre. Segundo dados oficiais, muitas fábricas estão trabalhando em regime de três turnos neste ano.
O governo divulgou que os gastos públicos como proporção do PIB (Produto Interno Bruto) saltaram 13,5% no primeiro trimestre deste ano, ante os últimos três meses de 2022. Foi o maior aumento trimestral no indicador desde 1996.
Mas categorias de produtos destinados a civis, como alimentos, bens industrializados e automóveis, têm mostrado estagnação ou retração. A produção de veículos encontra-se 10% abaixo do nível do ano passado.
Sem produção industrial excedente, a Rússia depende cada vez mais da exportação de commodities (gás, petróleo e minério) para manter o equilíbrio de suas contas externas e gerar dólares para evitar uma desvalorização maior do rublo.
Especialistas acreditam que, por conta dessas exportações, sobretudo para a China, a Rússia tem condições de manter por um período estendido seu esforço de guerra. Mas avaliam que a mudança na matriz de produção está minando o crescimento potencial do PIB russo.
Economistas do Raiffeisenbank Russia divulgaram recentemente relatório estimando o PIB potencial do país em cerca de 1% ao ano. Se a economia crescer acima disso, acreditam, pode haver fortes pressões inflacionárias, como é o caso agora.
Até 2014, o FMI (Fundo Monetário Internacional) estimava que a economia russa poderia crescer até 3,5% ao ano sem apresentar maiores desequilíbrios. Antes da crise financeira global de 2008, a Rússia crescia a taxas anuais superiores a 7%.
Pesquisa da Escola Superior de Economia de Moscou em junho constatou que cerca de 65% das empresas no país dependem de matérias-primas e bens de fora para produzir. Daí a necessidade do país de encontrar meios para importar, como nas triangulações com outros países.
Segundo o Ministério das Finanças da Rússia, as importações do país cresceram 18% neste ano, até julho --com a China liderando as vendas.
Há quatro meses, o IIF já havia identificado outro esquema para burlar as sanções, com o aumento das exportações de EUA, União Europeia e Japão para Geórgia e Belarus,
Uma das empresas usadas na triangulação é a Imex.Expert, da Belarus, ditadura aliada de Moscou, que envia componentes eletrônicos, chips de computador, máquinas e equipamentos, matérias-primas e peças de reposição de Alemanha, França e Polônia para a Rússia.
"Desenvolvemos soluções logísticas legais e rentáveis para o fornecimento de mercadorias por via rodoviária e ferroviária, contornando sanções", diz a empresa em seu site.
Desde o início da Guerra da Ucrânia, no entanto, cerca de mil empresas deixaram a Rússia ou diminuíram drasticamente suas operações no país, segundo levantamento da Universidade Yale. Na sexta (25), foi a vez da Heineken anunciar a venda das operações para o grupo Arnest, que pagou um euro (o equivalente a R$ 5,45) pelas ações da cervejaria.
Segundo estimativas da consultoria independente Re: Rússia, a partir de dados de países que aceitaram imigrantes russos, entre 817 mil e 922 mil pessoas deixaram a Rússia desde fevereiro de 2022. Os maiores destinos foram o Cazaquistão e a Sérvia, com 150 mil imigrantes cada. Os que deixam o país tendem a ser mais ricos e escolarizados.
A dificuldade da Rússia em conseguir matérias-primas e bens para manter a produção, combinada ao êxodo de parte de sua população, pode não ter impactos imediatos, mas tende a minar cada vez o crescimento potencial russo no futuro.
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