HAVANA, CUBA (FOLHAPRESS) - É difícil explicar para os cubanos a expressão "vai pra Cuba", geralmente empregada no Brasil por pessoas de orientação política à direita quando discutem com identificados mais à esquerda. A ilha caribenha, na visão expressada publicamente por eles, é tranquila e segura --é preciso fazer a ressalva de que se vive sob uma ditadura, em que a livre expressão é cerceada. A população enfrenta as consequências de uma das piores crises financeiras desde a ascensão do regime castrista, em 1959.

Quando apresentados à expressão e seu sentido negativo, os moradores de Havana ouvidos pela reportagem a estranham e discordam, ao menos na frente da câmera.

"Sim, venha [para Cuba]. Venha para algo bom, passar as férias e conhecer muitos lugares históricos que há aqui, como o Capitólio, a Bodeguita del Medio, lugares típicos daqui, que são muito bonitos", disse um cubano chamado Shellier, que trabalha em uma feira de artesanatos na capital cubana.

Já o taxista José diz que quem for a Cuba vai ficar muito bem, obrigado. "Não é [só] como eu penso. Cuba é um país muito bom, tranquilo. Não há essa pressão que há em outros países, me entende? Cuba é um país muito saudável", disse à reportagem.

Em conversas reservadas, o cenário descrito por cubanos é bem menos otimista.

Na maioria dos relatos colhidos, a preocupação imediata é mais econômica do que política. A principal pergunta da população é como chegar ao fim do mês ganhando 3 mil ou 5 mil pesos mensais --o equivalente a um valor que varia de US$ 25 a US$ 41 (no câmbio oficial).

Pessoas abordadas nas ruas dizem que a ilha é pequena e tem pouca capacidade de produzir para se desenvolver, sobretudo com sanções aplicadas pelos Estados Unidos. Muitos idealizam deixar o país e conseguir um futuro melhor para suas famílias.

Mesmo nas ruas fica evidente que as dificuldades financeiras impactam a percepção da população sobre o regime autoritário. Um cubano resumiu que as necessidades econômicas fazem as pessoas perderem "a consciência revolucionária".

No geral, os cubanos são bem instruídos. Têm acesso à educação e a profissionais de saúde pública. Medicamentos, contudo, estão em falta --o Brasil fez recentemente uma doação à ilha. Por isso, os que têm amigos ou familiares no exterior costumam pedir a esses conhecidos o envio dos remédios mais simples, para dor de cabeça ou enjoo.

Apesar da escolaridade, um dos principais problemas é a falta de oportunidades após o fim dos estudos. Para além disso, mesmo os empregos disponíveis costumam não cobrir despesas que, em outros países, seriam consideradas básicas.

A consequência imediata desse cenário é a aglomeração de trabalhadores com formação e qualificação em diferentes áreas na indústria do turismo. Um engenheiro, por exemplo, ganha cerca de 6 mil pesos por mês. Por outro lado, um taxista em Havana pode ganhar aproximadamente 30 mil pesos.

Além do mais, os turistas podem pagar em dólar, moeda que tem ampla circulação informal e é aceita nos restaurantes mais caros.

O governo subsidia insumos e alimentos básicos, o que garante que todos tenham acesso a um mínimo de determinados produtos. O problema é que o mínimo não costuma ser suficiente. No caso de ovos, são cinco por pessoa ao mês. Falta dinheiro para comprar o resto.

Além do embargo econômico dos EUA em vigor há mais de 60 anos, Cuba enfrenta mais dificuldades por ter sido incluída na lista de países patrocinadores do terrorismo pelo ex-presidente Donald Trump. A decisão foi mantida por Joe Biden.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) criticou o embargo em seu discurso na abertura da Assembleia-Geral da ONU, na terça-feira (19). Ele esteve na ilha por cerca de 24 horas, antes de embarcar para Nova York. Nas ruas, é comum ouvir que o petista é "amigo de Cuba".


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