SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O êxodo dos moradores do enclave armênio étnico de Nagorno-Karabakh começou a tomar forma de grave crise humanitária, levando os Estados Unidos a tentar intervir diretamente para levar ajuda à região. Segundo o governo da Armênia, 19 mil dos 120 mil moradores do local já fugiram para o país.

O enclave foi conquistado após um ataque surpresa por parte do Azerbaijão na semana passada, encerrando 32 anos de disputas sobre a soberania do local --habitado por armênios desde o século 2º antes de Cristo, mas que ficou em território azeri quando a União Soviética que abarcava todo o Cáucaso implodiu em 1991.

"Nós não sabemos como vai ser agora. Eu tenho família aqui, vim com minha mãe de 80 anos e meus filhos, de 10 e 15, mas precisamos de ajuda", disse por aplicativo de mensagem Hayk, que chegou ao sul armênio nesta terça (26) após quase um dia inteiro de uma viagem que não duraria mais de três horas normalmente.

Engenheiro na capital regional de Stepanakert que pede para não ter o sobrenome divulgado, ele conta que já estava sem trabalho há alguns meses, devido à pressão das forças de Baku, que fecharam o acesso à região. Palco de duas guerras, uma vencida pelos armênios nos anos 1990 e outra, pelos azeris em 2020, Nagorno-Karabakh só tem uma ligação por terra com a Armênia, o chamado corredor de Lachin.

Ele ainda está aberto, mas as condições estão ficando cada vez piores, com a estrada lotada de carros de pessoas que, como Hayk, fugiram com poucos pertences, temendo limpeza étnica por parte dos azeris. O autocrata que governo o Azerbaijão, Ilham Aliyev, prometeu proteger quem quiser ficar, mas não parece ter sido muito convincente.

Relatos recolhidos pela agência Reuters com aqueles que fizeram a travessia vão na mesma direção, com famílias chegando famintas ao território armênio. O Ministério da Defesa da Rússia diz que seus 2.000 soldados da força de paz que garantia o cessar-fogo ora rompido de 2020 seguem operando na região.

Historicamente, Moscou é a protetora de Ierevan, tendo inclusive a maior base russa no exterior em Gyumri, na Armênia. Mas os países estão à beira de um rompimento, com Vladimir Putin tendo se acertado com o fiador de Baku, o instável aliado turco Recep Tayyip Erdogan, teoricamente para garantir estabilidade na sua fronteira sul enquanto concentra esforços na Guerra da Ucrânia.

Os EUA, que já haviam sinalizado querer ocupar espaço russo, mas assistiram impassíveis aos desdobramentos da crise, enviaram para Ierevan a chefe de sua principal agência de ajuda humanitária, a Usaid.

Samantha Power exortou os azeris a permitir a entrada de ajuda na região. Ela encontrou-se com o isolado premiê Nikol Pashinyan, e entregou uma carta do presidente Joe Biden condenando a ação militar de Baku e dando apoio aos armênios.

O problema para Pashinyan é que ele caiu em desgraça junto a Putin, enquanto seu país só estreitou os laços econômicos com Moscou. Ele é criticado também em Nagorno-Karabakh, cujos líderes consideram que o premiê não fez nada para evitar a ação azeri.

Putin, por sua vez, conversou sobre a crise com outro aliado regional importante, o presidente iraniano, Ebrahim Raisi. O Irã tem fronteira com a Armênia e com o exclave azeri de Nakhchivan, o provável novo ponto de tensão na região, já que Aliyev e Erdogan defenderam na segunda (25) a criação de uma ligação terrestre entre o Azerbaijão e o território.

Além disso, há o temor que o apetite de Baku e Ancara cresça mirando a região norte do Irã, que é habitada por 20 milhões dos 80 milhões de moradores do país, que são azeris étnicos segundo a classificação local.

Power trouxe na bolsa míseros US$ 11 milhões (R$ 55 milhões) de ajuda imediata, mas prometeu mais. Refugiado pela segunda vez na vida, a primeira sendo na guerra de 1992-4, Hayk afirma acreditar que todos os moradores de Nagorno-Karabakh irão desistir de morar no território, e que mais caos irá ocorrer: postos de gasolina estão lotados, e um deles explodiu na segunda, deixando 20 mortos e quase 300 feridos.


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