SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Cerca de 41% dos moradores do território armênio étnico de Nagorno-Karabakh, no Azerbaijão, já deixaram a região desde que Baku a conquistou em uma ação militar relâmpago na semana passada.
Segundo a Armênia informou nesta quarta (27), mais de 50 mil pessoas já entraram no país, formando longas filas de carros, ônibus e tratores na estrada que liga o enclave a Goris, cidade logo após a fronteira onde os refugiados estão sendo recebidos e atendidos.
A crise humanitária ganhou corpo nesta semana, com o início do êxodo. Para piorar a situação, um aparente acidente num posto de gasolina cheio de refugiados buscando encher o tanque de seus veículos deixou ao menos 68 mortos na segunda (25).
Paralelamente ao drama humano, expresso por centenas de famílias que chegam com a certeza de que será muito difícil voltar ao enclave, houve nesta quarta a primeira prisão de uma figura de proa do território que foi disputado pelo Azerbaijão desde o rompimento da União Soviética, em 1991.
O banqueiro Ruben Vardanyan, um bilionário que liderou o governo separatista de Nagorno-Karabakh de novembro de 2022 a fevereiro deste ano, foi detido quando tentava passar pela fronteira. Segundo a polícia azeri, ele foi enviado para Baku, sem explicações.
O êxodo em curso é decorrência da longa história de violência étnica na região. Nagorno-Karabakh ficava dentro do território azeri, embora fosse habitada há séculos por armênios, cortesia da implosão do império comunista ?quando tanto Baku quanto Ierevan eram capitais de repúblicas soviéticas, o que reduzia a tensão nacionalista.
Duas guerras foram travadas, com talvez 20 mil mortos, em 1992-94 e em 2020. Na primeira, os armênios conquistaram áreas em torno de Nagorno-Karabakh, garantindo na prática a autonomia da região como uma república autônoma não reconhecida pela ONU. Na segunda, Baku retomou esses territórios, acertando um cessar-fogo frágil com os russos.
Potência até então dominante da região, Moscou passou a lidar com uma situação nova: a ascensão da Turquia, aliada e fiadora do Azerbaijão, um governo instável e quase hostil a si em Ierevan e o enfraquecimento de sua posição relativa no Cáucaso devido ao foco a partir de 2022 na Guerra da Ucrânia.
Com isso, um arranjo imolando Nagorno-Karabakh foi feito entre Vladimir Putin e Recep Tayyip Erdogan, o ambicioso presidente turco. O que o russo ganhou em troca é objeto de especulação, mas é possível dizer que as suas fronteiras ao sul agora estão mais estabilizadas ante a presença do Ocidente.
Assim, em 24 horas de bombardeio na semana passada, Baku subjugou militarmente Nagorno-Karabakh sem a interferências dos 2.000 soldados russos que garantiam os termos do cessar-fogo na região.
Sob essa lógica, é melhor para Putin perder poder para Erdogan do que para os EUA, que insinuaram apoio à Armênia e agora lideram o coro dos queixosos na região, sem muito o que fazer na prática.
Nada muito diferente do que ocorreu em 2008, quando o Kremlin lutou uma curta guerra para impedir que a Geórgia, que com os armênios e os azeris forma o Sul do Cáucaso, aderisse ao clube militar Otan. Até hoje, cerca de 20% do território georgiano é administrado por russos étnicos em autoproclamadas repúblicas autônomas.
Países da União Europeia também têm feito o que podem, reclamar. "O que precisamos agora é transparência, e os olhos e ouvidos da comunidade internacional no local", escreveu no X (ex-Twitter) a ministra das Relações Exteriores alemã, Annalena Baerbock, ao defender monitores independentes na região.
O Azerbaijão não irá permitir isso e, se o fizer, talvez todos os armênios de Nagorno-Karabakh já estarão na condição de refugiados. Integrantes de organizações de defesa dos direitos deles afirmam, contudo, temer pelo destino daqueles ainda mais pobres, que nem condições para se unir ao êxodo têm.
Baku nega que deseje a limpeza étnica, e o autocrático presidente Ilham Aliyev afirmou que irá tornar a região "um paraíso novamente". Não se sabe quando ela foi, mas dificilmente serão seus moradores originais que irão eventualmente desfrutar da promessa.
O governo do premiê Nikol Pashinyan segue pressionado em Ierevan, com protestos pedindo sua renúncia. Ele foi criticado também por líderes de Nagorno-Karabakh, que o viram como impotente. Agora, há um temor na Armênia de que o Azerbaijão tente ligar-se ao seu exclave de Nakhchivan, a oeste, passando pelo sul de seu território.
Baku nega intenções militares, mas diz que quer estabelecer conexão de transporte mais clara na região ?moram nela quase 100 mil dos 10 milhões de azeris.
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