BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) - No mesmo dia em que o ultraliberal Javier Milei, favorito à Presidência da Argentina, negou em debate televisivo a existência de 30 mil desaparecidos na última ditadura do país, um centro educativo popular chamado Marielle Franco em Buenos Aires foi vandalizado com a frase "volta Videla", em referência ao ditador Jorge Rafael Videla.

As pichações na fachada e na calçada do local foram feitas antes das declarações do candidato, entre a noite de sábado (31) e a manhã de domingo (1º), segundo os professores. Eles também encontraram as palavras de ódio "ladra" e "puta" ao lado de murais da vice-presidente Cristina Kirchner e da ex-primeira-dama Eva Perón, cobertos com tinta preta.

"Nos 40 anos da recuperação da democracia, repudiamos esses atos que nos violentam, educadores e estudantes, em nosso espaço de educação popular, onde nos encontramos todos os dias da semana para que jovens e adultos concluam seus estudos secundários ou participem da refeição comunitária", publicou a instituição, que atua de forma gratuita e voluntária no bairro periférico Villa Lugano.

"Entendemos o que aconteceu como parte deste encorajamento e legitimidade que alguns setores da extrema-direita estão ganhando, no contexto das eleições", diz a professora de história Marta Gordillo, contando que, em seguida, a comunidade se juntou para escrever "Videla não volta nunca mais" ao lado da mensagem original.

Ela explica que o centro de estudos começou a ser organizado em 2018, mesmo ano da morte da vereadora Marielle, que se formou com bolsa na PUC-Rio graças a um curso pré-vestibular comunitário no Complexo da Maré. "Somos um centro com perspectiva de gênero e a tomamos como símbolo da transformação que buscamos", afirma Marta.

Ao mesmo tempo em que os professores se inteiravam do ato de vandalismo, Milei gerava polêmica ao afirmar em rede nacional que "não foram 30 mil desaparecidos [como estimam organizações de direitos humanos], foram 8.753". "Estamos absolutamente contra uma visão torta da história", declarou o deputado e economista no primeiro debate presidencial do país.

O número oficial, que até hoje é atualizado pelo Registro Unificado de Vítimas do Terrorismo de Estado com base em milhares de documentos, é de 8.631 mortos e desaparecidos no período de 1976 a 1983, mas o próprio relatório reconhece que a cifra é subestimada.

"O número exato é e sempre será indeterminado, está em construção e cresce permanentemente. [...] Nas próximas semanas, a Secretaria de Direitos Humanos publicará um relatório sobre o universo das vítimas do terrorismo de Estado, que contribuirá para desmontar essas posições negacionistas, demonstrando que essa estimativa inicial não está distante das investigações recentes", rebateu o governo do peronista Alberto Fernández.

Durante o programa, Milei também chamou grupos guerrilheiros de terroristas, declarou que "durante os anos 1970 houve uma guerra e nessa guerra as forças do Estado cometeram excessos" e criticou "aqueles que usaram a ideologia [dos direitos humanos] para ganhar dinheiro e realizar negócios obscuros".

Antes disso, as falas que minimizavam a ditadura costumavam ficar a cargo de sua candidata a vice, Victoria Villarruel. Filha, neta e sobrinha de militares, a deputada teve como trampolim político a defesa das vítimas de ataques de guerrilhas por meio do Centro de Estudos Legais sobre o Terrorismo e suas Vítimas (Celtyv), que ela fundou em 2003.

O ato de vandalismo no centro educativo também ocorre menos de duas semanas depois que o maior centro de tortura da ditadura argentina, hoje transformado no Museu e Espaço de Memória Esma, foi escolhido como Patrimônio Mundial da Unesco, braço da ONU para a educação, ciência e cultura.

O ditador Videla é conhecido pelo período mais sombrio do regime militar, que incluiu sequestros, torturas e assassinatos de opositores, com corpos enterrados ou lançados no Rio da Prata. Ele foi um dos líderes do segundo golpe no país, que depôs a presidente Isabel Perón em 1976, e exerceu o poder até 1981.

O general foi condenado à prisão perpétua por crimes de lesa-humanidade após o retorno à democracia, em 1983, e passou cinco anos preso até receber um indulto do ex-presidente Carlos Menem em 1990. Só voltou ao regime fechado definitivamente em 2008, quando os indultos foram declarados inconstitucionais. Morreu no banheiro do presídio, em 2013.

Até hoje, mais de 300 processos judiciais foram realizados na Argentina, com quase 1.200 pessoas condenadas pelos crimes da ditadura.


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