WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) - Há pouco mais de 30 quilômetros entre a cidade de Gaza e a passagem de Rafah, na fronteira com o Egito. Uma viagem de 45 minutos de carro poderia salvar a vida daqueles que estão dentro do território palestino. Essa solução, porém, depende agora de um delicado cálculo geopolítico.
Israel bombardeia a Faixa de Gaza desde o ataque da facção palestina Hamas no sábado (7), que deixou ao menos 1.200 mortos. Mais de 900 já morreram em Gaza. Não há como cruzar para dentro de Israel, que mantém um cerco terrestre, aéreo e marítimo, e o Egito é a única opção.
Há mais de 2 milhões de pessoas dentro de Gaza, incluindo 30 brasileiros -gente como Shahed al-Banna, 18, e Hadil al-Duwaik, 41. A representação diplomática brasileira em Ramallah trabalha para resgatá-los, mas depende da autorização do Cairo para cruzar essa fronteira. O regime egípcio fechou a passagem de Rafah por tempo indeterminado.
O ministro brasileiro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, afirmou na quarta-feira (11) que está negociando com o Cairo uma autorização para a saída dos brasileiros em um ônibus. Sugeriu que as tratativas estavam adiantadas. Não há indícios, porém, de que isso vá ocorrer nos próximos dias. O Cairo está em uma situação delicada que não sabe como resolver.
Por um lado, os egípcios têm afinidades óbvias com os palestinos de Gaza. Compartilham não só uma fronteira mas também uma história e uma cultura influenciada pelo islã e pela civilização árabe. O dialeto falado em Gaza tem marcas do egípcio, na pronúncia e no vocabulário.
Por outro lado, o regime autoritário de Abdel Fattah al-Sisi vai tentar evitar a possível entrada de centenas de milhares de pessoas no Egito. O país já passa por uma grave crise econômica e de segurança. Isso sem falar nas eleições presidenciais, que devem ser realizadas em dezembro.
O desafio da administração egípcia, agora, é planejar seus próximos passos sem ser tragado para dentro do conflito. Sisi quer manter a imagem de neutralidade para poder mediar uma eventual trégua entre Israel e o Hamas, algo que seria uma necessária vitória diplomática para o Egito, em especial dado que o país tem perdido influência para países do Golfo.
Outro fator fundamental é a desavença ideológica entre o regime egípcio e a facção palestina. O Hamas tem sua gênese no movimento egípcio Irmandade Muçulmana, que Sisi persegue. É difícil imaginar que ele goste da ideia de que esses militantes cruzem a fronteira por Rafah.
O Egito tem pelejado, nos últimos anos, para pacificar a região do norte do Sinai, justamente onde faz fronteira com Gaza. Houve embates armados por ali, e o custo político de receber palestinos pode ser grande. O combate ao terrorismo é hoje uma das principais bandeiras de Sisi.
Tudo isso, vale dizer, pressupõe que os moradores de Gaza queiram de fato fugir para o Egito. Muitos dos brasileiros com quem a Folha conversou planejam sim aceitar o resgate -mas alguns preferem ficar.
Paira o espectro do que aconteceu na região em 1948, quando 700 mil palestinos deixaram seus lares na sequência da criação do Estado de Israel. Muitos deles, inclusive, refugiaram-se em Gaza. Nunca puderam voltar para suas casas, um fator que segue alimentando o conflito por ali.
Independente do que queira que aconteça, o Cairo já se prepara para a possibilidade de que --talvez por força-- palestinos cruzem por Rafah. Foi o que aconteceu em 2008, quando Israel apertou o cerco a Gaza. O site independente egípcio Mada Masr noticiou nos últimos dias que hospitais, escolas e outros edifícios públicos estão se preparando para receber o fluxo de refugiados de Gaza. O país coleta, também, mantimentos para uma possível crise humanitária nesta região.
Os brasileiros que estão em Gaza são, nesse contexto, reféns de uma questão geopolítica mais ampla. A melhor saída para essa situação é que o Egito ouça os apelos do Brasil e permita a passagem de um ônibus por Rafah. Não estará, resolvida, é claro, a situação dos 2 milhões de palestinos que seguirão nesse território sob intensos ataques de Israel.
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