SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Protegidos pelas leis de guerra, trabalhadores humanitários em serviço já são 31 das vítimas do conflito entre Israel e o grupo terrorista Hamas, de acordo com última atualização do Escritório da ONU para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA, na sigla em inglês) -a cifra não inclui eventuais vítimas da explosão que matou centenas de pessoas no hospital ah-Ahli Arab, em Gaza, nesta terça-feira (17).

Em um contexto de guerra, a perda desses profissionais tem o potencial de impactar uma rede imenda de pessoas, que perdem a possibilidade de ter atendimento em um cenário de crise humanitária.

Em 11 dias, o conflito matou cerca de 4.500 pessoas -de novo, sem contar as vítimas no hospital. O denso território regido pelo Hamas, onde vivem mais de 2 milhões de pessoas, passou a ser intensamente bombardeado por Israel após ataques terroristas fazerem mais de 1.400 vítimas em Israel no último dia 7. Na primeira semana de guerra, 6.000 bombas foram lançadas na região palestina.

Ali mora Najla Shawa, funcionária da Oxfam. Entre outras atuações, a ONG trabalha para garantir acesso a necessidades básicas em situações de conflito como a que se desenrola no Oriente Médio.

Antes da guerra, a socióloga levava uma vida comum em Gaza -pela manhã, deixava suas filhas de 6 e 9 anos na escola, depois trabalhava das 8h às 16h e então voltava para casa. Em alguns dias da semana, levava as crianças para aulas de karatê e desenho; em outros, caminhava na praia ou ia à casa de amigos.

Sua rotina mudou com o ataque do Hamas e o posterior ultimato de Israel para civis deixarem o norte da Faixa de Gaza, lar de 1 milhão de pessoas. Ela saiu de sua cidade há cerca de quatro dias e agora está em uma casa onde abriga mais de 50 pessoas.

Atividades cotidianas viraram um desafio. O bloqueio total de água, combustível e eletricidade que Israel impôs ao já empobrecido território palestino tornou quase impossível para Shawa preparar comida, por exemplo. "É muito, muito difícil, porque estamos tentando economizar gás. Mesmo quando conseguimos nos locomover e comprar algumas coisas no supermercado, ou em qualquer lugar, temos que nos limitar porque não sabemos até quando vamos enfrentar essa situação."

A água, já escassa, está cada vez mais difícil de ser bombeada pela falta de combustível, segundo Shawa. "É um desafio diário. Trabalhamos para manter as coisas limpas e organizar o espaço e o período de sono das pessoas", conta. "Metade de nós dorme nas cadeiras e nos carros, em turnos.

Nesse contexto, realizar o seu trabalho na Oxfam, que atua justamente na garantia de acesso a água, comida e saneamento, foi inviabilizado. A organização, porém, continua atuando, e ela tenta seguir em contato com seus colegas, apesar da falta de eletricidade. "Todos estão em abrigos, todos estão deslocados."

O bloqueio afeta também o trabalho de organizações como os Médicos Sem Fronteiras, que atuam desde 1971 na ajuda humanitária. "As instalações de saúde já não dão conta das necessidades da população. Elas operam com geradores, pois a eletricidade não está mais disponível na rede, e alguns hospitais só têm combustível suficiente para alguns dias", afirma Gabriel Naumann, brasileiro gerente de advocacy dos MSF nos territórios palestinos. "Muitos de nossos colegas perderam suas casas, todos relatam pelo menos um caso de perda na família."

A ofensiva pode afetar ainda mais os trabalhadores humanitários nos próximos dias, à medida que a invasão terrestre a Gaza parece mais próxima. No último sábado (14), a OMS (Organização Mundial de Saúde) condenou as "repetidas ordens" para esvaziar 22 hospitais que tratam mais de 2.000 pacientes no norte do território, incluindo recém-nascidos em incubadoras e mulheres com complicações na gravidez.

Diante desse cenário, diz a entidade, os profissionais de saúde enfrentam uma escolha complexa: abandonar os pacientes, permanecer no norte e colocar a própria vida em risco ou tentar transportar os feridos. "Na maioria das vezes, os cuidadores optaram por ficar e honrar seus juramentos como profissionais de saúde", diz a OMS. "Eles nunca deveriam ter que tomar uma decisão tão difícil."

Os MSF também atuavam no al-Ahli Arab, atingido nesta terça. "Estávamos operando no hospital, houve uma forte explosão e o teto do centro cirúrgico caiu. Isso é um massacre", disse Ghassan Abu Sittah, médico da entidade em Gaza, em nota publicada pela entidade. As Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês) atribuíram a agressão à facção Jihad Islâmico e disseram que hospitais não são seus alvos.

Em Tel Aviv, a vida do médico brasileiro Victor Bilman, cirurgião vascular, também foi impactada pela guerra. No dia do ataque, ele foi acordado pela sirene que alerta para bombardeios -interceptados, na maioria das vezes, pelo Iron Dome, tecnologia israelense para barrar mísseis e foguetes.

"Após o sábado, a gente começou a receber muitos pacientes. Soldados que foram transportados do sul e muitos feridos da festa", conta ele, em referência à Universo Paralello, rave que acontecia a alguns quilômetros da Faixa de Gaza antes de ser invadida por terroristas que mataram pelo menos 260 dos presentes.

Os alertas de bombardeio têm soado com cada vez mais frequência, segundo Bilman. "Ontem, quando eu estava de plantão, corri três vezes para o abrigo antiaéreo. A gente tem de um a dois minutos para correr e se proteger. Esses minutos são os momentos mais angustiantes que a gente pode passar", conta ele.


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